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Ô abre-alas que o compliance quer passar

tayane16

Anos atrás, morando nos Estados Unidos, tive a oportunidade de conviver com um grande político com carreira e reputação imaculadas no Brasil, e também muito respeitado no exterior. Eu, cidadã norte-americana, residindo permanentemente em Nova York, e ele, cidadão brasileiro com residência transitória por lá, tínhamos visão diametralmente oposta sobre a nossa responsabilidade cívica. Eu não queria nem pensar em viver no Brasil e ele só vivia para pensar em um Brasil melhor.


O meu ceticismo era imenso – cresci com o preconceito de que nenhum político é honesto. Jamais acreditei que qualquer coisa de bom pudesse sair do sistema político brasileiro, a não ser muita corrupção.


Em todas as nossas infindáveis discussões, não só comigo, mas com vários membros da comunidade brasileira em Nova York, esse político desafiava os brasileiros a voltar ao Brasil e fazer sua devida contribuição à nossa nação. Na concepção dele, devíamos isso ao país, e éramos, cada um de nós, individualmente, responsáveis pela nossa sociedade.

Como contribuir para um país menos corrupto?


Após ter vivido em diversos países por vários anos, o Brasil me parecia uma caso perdido. Eu jamais seria ingênua em acreditar em qualquer possibilidade de mudança para essa nossa nação. A corrupção vem do colonialismo, do patrimonialismo, compadrio e impunidade, que estão no DNA do nosso povo. Nessa terra, eu vislumbrava, só reverteríamos o círculo vicioso da corrupção com uma verdadeira revolução cultural pela integridade.


Um dia a ficha caiu e entendi esse admirável político: quem faz a revolução cultural, se não nós mesmos, o povo?


Hoje, anos após a minha decisão de viver no Brasil, tenho certeza de que a sociedade civil toda, e cada um de nós individualmente, é sim responsável pelo combate à corrupção e tem obrigação de lutar para erradicar esse mal sórdido, seja qual for a nossa contribuição.

Acredito, porém, que é no setor privado que temos as nossas melhores chances de contribuir embora existam muitos outros caminhos, logicamente. Isso porque o poder da empresa e de sua função social são inigualáveis. A organização educa, influi e transforma, fortalecendo os valores éticos e morais, formando seus colaboradores e promovendo a repressão a comportamentos antiéticos.


Ingênua? Sim, mas o Brasil sempre me surpreendeu. Um dos maiores exemplos foi a incrível redução do tabagismo. Eu, lá de Nova York, sempre apostei que nunca, jamais, os brasileiros reduziriam o fumo. Perdi, felizmente, a aposta para os franceses, espanhóis e austríacos!


Entretanto, é na área de combate à corrupção corporativa que eu mais me surpreendo. Quem imaginaria o Brasil da Lava Jato após tanto malufismo? Eu costumo dizer que o Brasil é um dos países mais adiantados em compliance à frente mesmo de grandes potências. Os brasileiros não se dão conta disso e se esquecem quanto progresso já foi alcançado. Qual país em poucos anos teve quase 300 condenações de uns 170 réus, mais de 15 acordos de leniência possibilitando a recuperação de R$15 bilhões desviados?


Além disso, a nossa lei anticorrupção, diferentemente de muitas leis estrangeiras, foi bastante vanguardista estabelecendo a responsabilidade objetiva em casos de corrupção (pela qual uma organização não pode se esquivar de responsabilidade por atos praticados por terceiros em seu nome, mesmo que deles não tenha participado). As nossas corporações, preocupadas com essa responsabilidade objetiva, pesquisam o histórico de seus parceiros evitando se envolver com terceiros inidôneos.


Trabalho com clientes multinacionais: a maioria dos países não têm a sofisticação das nossas empresas em compliance. Aqui temos um movimento inusitado de implementação de programas, em pequenas, médias e grandes empresas e até no setor público. E não é só para inglês ver: o mercado brasileiro exige o compliance, independentemente das leis, normas e regimentos e se transformou em um dos mais rigorosos do mundo onde todos verificam seus potenciais parceiros antes de qualquer relação mais séria.


Vejo as tendências no Brasil como extremamente positivas (no mercado logicamente, não em outros poderes da república). As empresas estão exigindo umas das outras que andem na linha. A qualquer deslize, elas podem ser descadastradas como fornecedoras, parceiras, associadas. Essa é a poderosa arma do setor privado na guerra contra a corrupção: o compliance!


Bem sei que andamos desanimados com os recentes retrocessos no combate à corrupção. Mas não podemos nos deixar abater. Não podemos esquecer que a Lava Jato colocou o Brasil no mapa global anticorrupção, mostrando que povo indignado faz revolução. Nós somos um grupo poderoso! Nós já fizemos 2013, forçamos a promulgação da lei anticorrupção, fizemo-nos ouvir e não deixamos um tal partido retornar.


Devemos continuar a exercer uma cidadania ativa acompanhando, cobrando e fiscalizando. Como consumidores vamos rejeitar produtos e serviços de empresas sem ética e envolvidas em corrupção. Essa é uma questão apartidária e, a qualquer desânimo nosso, a famosa “frente pela impunidade” avançará oportunisticamente.


Estamos em um momento crítico, por isso aumenta a nossa responsabilidade nessa guerra. A maior arma do setor privado é o compliance, sua difusão e implementação da forma mais abrangente possível. A qualquer pedido de propina, a nossa resposta é que somos gratos “reféns” do nosso programa de compliance e seus controles internos que não possibilitam qualquer lacuna para pagamentos despudorados.


Sim, os governantes têm de ser cobrados, mas nós temos de fazer a nossa parte que é estratégica na mudança da cultura de nossa sociedade, e não ocorre da noite para o dia. O Brasil não colocou tantos corruptos na cadeia sem esforço. A sociedade precisa se conscientizar que o combate à corrupção exige tenacidade, persistência e muita paciência.

A nossa participação individual e dentro de uma organização, por meio do compliance, será documentada no futuro em livros de história como a “Revolução do Compliance”, um movimento ético e moral responsável pelo conscientização do cidadão, das corporações e dos administradores públicos.


Somos a sociedade civil. A nossa responsabilidade é enorme. Temos o dever cívico de nos unir, seja em nossas empresas, ONGs, mesas-redondas, associações como o Instituto Não Aceito Corrupção ou o CWC (Compliance Women Committee) para idealizar estrategicamente como exercer o poder da nossa união em torno do compliance, da ética e da integridade.


Ô abre-alas que o compliance vai passar!


*Isabel Franco é sócia da área de Compliance, Investigação e Penal Empresarial do Azevedo Sette Advs. Com mestrado pela Fordham University (NY), é Embaixadora do CWC – Compliance Women Committee, conselheira do Instituto Não Aceito Corrupção e fundadora da Mesa-Redonda de Compliance.

 
 
 

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