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tayane16

A corrupção e o desafio de combatê-la em três livros


O presente artigo baseia-se – além da percepção pessoal resultante do acompanhamento dos acontecimentos – em três livros, cuja leitura muito me impressionou. São eles Lava Jato: o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil, de Vladimir Netto (RJ: Primeira Pessoa, 2016); Corrupção: Lava Jato e Mãos Limpas, organizado por Maria Cristina Pinotti (SP: Portfolio-Penguin, 2019); e A organização: a Odebrecht e o esquema de corrupção que chocou o mundo, de Malu Gaspar (SP: Companhia das Letras, 2020).


São livros escritos e publicados em momentos diferentes. Os dois primeiros focalizam as ações da Lava Jato, a força-tarefa sediada em Curitiba, constituída por membros do Ministério Público Federal (MPF), da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal, criada em 2014 e extinta formalmente pelo procurador Augusto Aras no início deste ano. Nesses quase sete anos, realizou um extenso trabalho, trazendo extraordinário benefício ao Brasil e à imagem externa do País, em razão dos resultados atingidos no combate à corrupção e à impunidade de figuras poderosas da política e dos negócios, que, até então, se sentiam acima da lei e da ordem. Já o terceiro narra a inacreditável escalada da corrupção da empresa que foi a principal protagonista da investigação levada a cabo pela força-tarefa.


O livro do jornalista Vladimir Neto foi publicado no auge da popularidade da força-tarefa, numa época em que os brasileiros acompanhavam pela TV as diversas fases da Lava Jato. A esmagadora maioria desses brasileiros apoiava e vibrava com o que via. Numa escala mais ampla, reproduzia-se o fenômeno acontecido anos antes com a Ação Penal 470, conhecida como Mensalão, que também resultara na punição de figuras poderosas do nosso cenário político. Essa sensação de apoio à Lava Jato e a esperança de que o Brasil estava deixando de ser o paraíso da corrupção e da impunidade foram bem expressas por Fernando Gabeira, que assina o prefácio do livro, assim concluído: “Conhecer a Lava Jato e sua trajetória, portanto, é conhecer uma das maneiras pelas quais o Brasil pode construir um novo caminho para dificultar a corrupção e puni-la com severidade”.

O livro organizado por Maria Cristina Pinotti reúne, além do primeiro capítulo de sua própria autoria, dois capítulos de juízes que tiveram participação importante na operação Mãos Limpas, Gherardo Colombo e Piercamillo Davigo, e dois de participantes da Lava Jato, um capítulo conjunto de Deltan Dallagnol e Roberson Pozzobon, e outro de Sergio Moro.

A preocupação em demonstrar a relação entre o nível de corrupção, a qualidade das instituições e o desempenho econômico dos países está presente nos cinco capítulos, revelando acentuada influência teórica de Douglass North, ganhador do Prêmio Nobel de Economia em 1993.


A influência de Douglass North, para quem “instituições são as regras do jogo em uma sociedade”, é explicitada por Maria Cristina Pinotti no capítulo de sua autoria: “À luz da moderna Teoria do Desenvolvimento Econômico, que atribui à qualidade das instituições as diferenças encontradas nos graus de desenvolvimento dos países, busco identificar, do ponto de vista institucional, as mudanças ocorridas na Itália e no Brasil que possam explicar o desempenho medíocre nas suas economias. Afinal. As mesmas instituições que geram desenvolvimento ou estagnação são as que geram baixa corrupção ou grande corrupção nos países”.


Outro aspecto destacado por Pinotti é a constante mudança das regras do jogo, tipificando uma instabilidade institucional que se constitui numa das principais causas do baixo nível de investimento da economia brasileira, comparativamente ao de outros países. Investidores ficam em dúvida se vale a pena aplicar seu capital num país em que as regras mudam frequentemente, muitas vezes com o jogo em pleno andamento. Ela dá quatro exemplos de alterações institucionais que tiveram impactos nefastos na política, na justiça e no sistema eleitoral, favorecendo a criação de um ambiente propício à proliferação da corrupção: as idas e vindas referentes à cláusula de barreira, o financiamento empresarial de partidos, o foro privilegiado e a suspensão da prisão após segunda instância.


Nos capítulos subsequentes, os outros autores enfatizam ainda mais a relação entre qualidade e estabilidade das instituições e maior ou menor grau de corrupção, além de seu impacto no desempenho econômico, com abundância de exemplos colhidos na Itália e no Brasil. Sergio Moro, por exemplo, afirma que “a lição número um é que a impunidade e a corrupção sistêmica caminham juntas, e o sistema de justiça criminal precisa funcionar, não pode fechar os olhos para a prova”.


Embora publicado em 2019, todos os capítulos foram redigidos ao longo de 2018, quando a operação Mãos Limpas já havia sido há muito encerrada na Itália, e quando o apoio quase integral à Lava Jato já dava lugar a questionamentos que se avolumaram de lá para cá. Tanto os autores italianos como os brasileiros examinaram as razões desse tipo de trajetória.


Sergio Moro, por exemplo, aponta para dois possíveis cenários – um negativo, outro positivo – decorrentes da operação Lava Jato e da Ação Penal 470: de negativo, ele destaca a relativa inércia da maioria das lideranças políticas brasileiras, dos partidos políticos e dos demais poderes da República em relação ao quadro de corrupção sistêmico descoberto; de positivo, o elevado apoio recebido da opinião pública aos esforços anticorrupção.


O terceiro livro, da Malu Gaspar, é um extraordinário exemplo de bom jornalismo investigativo. Como registrado na quarta capa, “Malu Gaspar destrincha numa crônica eletrizante, a história completa (e a secreta) da ascensão, do auge e da queda da Odebrecht, revelando as engrenagens de um sistema de pagamento de propinas que parecia inviolável. As relações de confiança entre políticos de todos os espectros ideológicos e os maiores empreiteiros do Brasil. Bastidores nunca vistos da Lava Jato. Uma guerra sangrenta entre pai e filho pelos rumos de um colosso empresarial ameaçado de morte”.


Impossível para qualquer cidadão decente e honesto não se estarrecer com o grau alcançado pela corrupção sistêmica em nosso país, envolvendo políticos, executivos de empresas públicas, grandes empresários e operadores – publicitários, doleiros, laranjas etc. – em esquemas que atingiram bilhões de dólares e que extrapolaram as fronteiras nacionais, sendo reproduzidas em vários países latino-americanos a africanos.


O terrível desse gigantesco esquema de corrupção é que seus efeitos negativos atingem a todos nós, pois os recursos desviados ou roubados nessas ações são oriundos dos impostos que pagamos e representam investimentos preciosos que deixaram de ser feitos em hospitais, escolas, estradas e outras benfeitorias de que o País tanto carece.


Conhecendo em detalhes os meandros e os volumes da corrupção expostos no livro de Malu Gaspar, maior se tornou minha admiração pelas ações criminais levadas a cabo nos últimos anos, responsáveis pelo enfrentamento de esquemas criminosos com o Mensalão e o Petrolão. Se exageros foram cometidos, que sejam feitas as correções necessárias. O que a esmagadora maioria dos brasileiros não aceita é que haja a completa inversão de valores em curso, pondo em dúvida o profícuo trabalho realizado nas investigações e no combate à corrupção.


Encerro o artigo lamentando a decisão da segunda turma do Supremo Tribunal Federal no caso da suspeição do juiz Sergio Moro, em especial o péssimo exemplo do ministro Gilmar Mendes de recriminar publicamente o colega Kassio Nunes, cujo voto foi contrário à sua visão, e a mudança do voto da ministra Cármen Lúcia, que tornou mais atual do que nunca a afirmação do ex-ministro Pedro Malan de que “no Brasil até o passado é incerto”.


*Luiz Alberto Machado, economista pela Universidade Mackenzie (1977), mestre em Criatividade e Inovação pela Universidade Fernando Pessoa (Portugal, 2012) e assessor da Fundação Espaço Democrático.

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