RODRIGO DE PINHO BERTOCCELLI* 06 DEZEMBRO 2023 | 5min de leitura
As mudanças climáticas se tornaram uma preocupação real para o setor de infraestrutura em 2023, ano em que diversos eventos extremos afetaram setores importantes da economia. O tema já aparece no debate sobre novos projetos, reequilíbrios contratuais, contratação de seguros para obras e concessões, assim como na captação de recursos. Se por um lado surge oportunidades para investimentos e práticas com impactos socioambientais positivas, por outro surgem os oportunistas que devem ser afastados do mercado.
Nesse compasso, a questão do greenwashing, prática de empresas que parecem ser ecologicamente responsáveis, mas não o são de fato, ganha destaque. Nos negócios é fundamental compreender que não basta apenas parecer honesto, mas é necessário ser honesto para construir sustentabilidade nas relações e reduzir riscos. Assim como a famosa frase atribuída a Júlio César, a mulher de César não basta parecer honesta, mas precisa ser honesta. Entre o “ser” e o “parecer ser”, a União Europeia tem se esforçado para combater o greenwashing, estabelecendo regulamentações mais rigorosas para garantir uma transição real para uma economia mais verde. O objetivo é evitar a perpetuação de ações meramente voltadas para o “marketing verde”.
Nos últimos meses, a União Europeia tem manifestado um compromisso cada vez maior com o desenvolvimento sustentável e a integridade nos mercados de capitais. Em uma importante iniciativa, o órgão lançou um plano para combater o greenwashing. Esse fenômeno tem o objetivo de atrair clientes e iludir investidores, omitindo ou fornecendo informações falsas sobre os reais impactos das atividades da empresa no meio ambiente e na sociedade.
Para evitar o greenwashing, a Comissão Europeia lançou um plano em março de 2023, que visa garantir transparência e responsabilidade ambiental nas empresas. O plano estabelece regras mais rigorosas para que as empresas possam se identificar como “sustentáveis”, “verdes” ou “eco”. Mais recentemente, no mês de setembro, foi negociado um acordo entre o Parlamento e o Conselho Europeu, referente a um projeto de lei que protege os consumidores contra o greenwashing e exige o fornecimento de informações verdadeiras sobre os produtos.
Esse acordo está atualmente em tramitação e, caso seja aprovado, os Estados-membros terão 24 meses para se adaptar às novas regras. Uma das principais mudanças propostas pelo plano europeu é que as marcas que desejam colocar etiquetas como “eco”, “bio” ou “com pegada climática reduzida” em seus produtos serão obrigadas a fornecer evidências empíricas. Caso sejam feitas alegações sem fundamentos, os Estados-membros terão autoridade para impor sanções.
A aprovação dessa regulamentação é de extrema importância, pois garante que as empresas que utilizam termos relacionados à sustentabilidade em seus produtos sejam realmente comprometidas com o propósito. Além disso, essa iniciativa está na direção das expectativas dos consumidores por produtos e serviços que tenham um menor impacto socioambiental.
As empresas que buscam alcançar a categoria “net zero”, com emissões líquidas neutras, têm se esforçado para oferecer produtos comprovadamente neutros em carbono. Essa demanda é impulsionada pelos consumidores preocupados com o meio ambiente e essa tendência deve continuar nos próximos anos. Investir em produtos e serviços sustentáveis tornou-se uma prioridade para muitas pessoas e, como consequência, há um aumento do interesse por esse tipo de produto financeiro no mercado de capitais.
Pesquisas têm demonstrado que investimentos em ESG (Environmental, Social and Governance) geram retorno financeiro positivo. ESG é uma sigla que representa critérios ambientais, sociais e de governança utilizados para avaliar o desempenho das empresas em termos de sustentabilidade. Empresas que priorizam esses critérios tendem a apresentar melhores resultados financeiros, além de contribuir para o desenvolvimento sustentável.
Além disso, observa-se uma crescente integração entre o mercado financeiro, a agenda ESG e o setor de infraestrutura. Em 2021, 37% das empresas listadas na B3 tinham metas de redução do impacto ambiental, esse percentual subiu para 45% em 2022. No Brasil, os fundos ESG captaram R$ 2,5 bilhões em 2020, com mais da metade dessa captação proveniente de fundos lançados nos últimos 12 meses daquele ano. Como alternativa aos bancos de fomento, o setor de infraestrutura tem se utilizado cada vez mais do mercado de capitais com operações de sustainable bonds, tipo de título que tem os recursos carimbados para projetos que tenham, simultaneamente, benefícios ambientais e sociais. Segundo recente levantamento realizado pela Nint, empresa de finanças sustentáveis, só o setor de saneamento básico foi responsável pela emissão de R$ 30 bilhões em títulos com atributos de sustentabilidade que foram ao mercado neste ano.
Diante de uma tendência irreversível em se reduzir os efeitos das mudanças climáticas e a necessidade em se investir em infraestrutura, saber se a mulher de César é mesmo honesta se tornou crucial para os negócios. Por isso, a aprovação do regulamento pelo Parlamento Europeu, em outubro de 2023, foi um marco na definição de obrigações verdes. Esse regulamento estabelece normas uniformes para as empresas que pretendem utilizar a designação “obrigação verde europeia” ou “EuGB” em suas emissões de obrigações. Essas normas inovadoras permitirão maior acesso dos investidores à informação, tornando mais fácil direcionar seus investimentos para tecnologias e empresas sustentáveis do ponto de vista ambiental.
Os avanços da União Europeia no combate ao greenwashing e na promoção de investimentos sustentáveis são fundamentais para trazer mais clareza às operações e atrair investidores que buscam retornos financeiros previsíveis aliados ao desenvolvimento sustentável. As novas referências devem influenciar a regulamentação de aspectos importantes no mercado de capitais no Brasil e na Nova Lei de Licitações, assim como a agenda do setor de infraestrutura nos próximos anos.
*Rodrigo de Pinho Bertoccelli é conselheiro superior no Instituto Não Aceito Corrupção, professor, advogado e sócio no Felsberg Advogados. Mestre em Direito Público pela FGV, especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Mackenzie. Pós-graduado em Contratos Empresariais pela FGV-GVLaw e Extensão Executiva em Business and Compliance pela University of Central Florida e International Management & Compliance pela Frankfurt University of Applied Sciences
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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