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Brasil: um jovem de 522 anos buscando sua identidade

Ana Cláudia Scalquette*

18 de novembro de 2022 | 05h00


O que mais temos ouvido nos últimos meses é: tempos difíceis estes que estamos vivendo!


Quanta intolerância, quanto radicalismo, quanto ódio!


Será mesmo que só existem estes componentes no nosso cotidiano ou é isso que nos salta aos olhos e que acaba por abafar nossas melhores características?


Sempre há diversas maneiras para olharmos uma mesma situação, velha máxima de “um copo meio cheio ou meio vazio”!


Que tal olharmos um pouco o meio cheio?


Nunca se falou tão abertamente sobre transparência, ética, combate à corrupção, quebra de paradigmas e preconceitos.


Mas por que parece que estas narrativas são sempre apenas “palavras soltas no ar” que não se efetivam na prática?


Por que pessoas que nos parecem as mais radicais também defendem ideias semelhantes às nossas mas que não carregam os significados que nos fazem sentido?


Estas perguntas podem ser respondidas se observarmos o processo de autoconhecimento pelo qual a sociedade brasileira está passando.


E este processo, para quem se debruça pela complexidade de uma terapia, é muito doloroso.


O processo de autoconhecimento pressupõe conhecermos nossas qualidades, mas também nossos defeitos.


Apenas conhecê-los? Definitivamente não. Conhecê-los para trabalharmos e nos aperfeiçoarmos como seres humanos e, sobretudo, como integrantes de uma sociedade.


Somos o povo que acolhe o próximo nos desastres e dificuldades extremas, mas que segrega sem perceber, vivendo em guetos delimitados, ainda que subliminarmente.


Somos a sociedade alegre que leva a vida com alto astral e que – tamanho o ópio do otimismo – consegue conviver e, em alguns momentos, até mesmo naturalizar a miséria material absoluta de muitos que cruzam nossos caminhos diariamente.


Somos o país do sol e que escolhe ter férias escolares em praticamente o único mês de inverno que temos no ano.


E por que tanta aparente contradição?


Porque somos uma mistura de tudo e de todos. Com muitas virtudes e defeitos que ainda não foram totalmente conhecidos, assumidos e trabalhados.


Somos uma democracia jovem.


Estamos nos descobrindo. Pelo método da tentativa e erro, com acertos e decepções, vamos caminhando, ora confiantes, ora revoltados, tal qual o conhecido período da adolescência.


Para quem nasceu no século XX, faz todo sentido a comparação. Qual o período de nossas vidas em que praticamos o agora conhecido “bullying” sem que soubéssemos o quão nocivo e destrutivo ele era?


Em qual período de nossa existência demos mais valor à opinião dos “neoamigos” de nossa idade do que à de nossos pais ou professores?


Em qual momento de nossa trajetória achávamos que sabíamos tudo sem sequer termos ido a uma fonte que, à época, era a pesquisa na enciclopédia Barsa?


A coragem do grupo, a energia da contestação apenas pela contestação, a certeza e a arrogância do “tudo saber” foram a realidade de muitos que passaram pela famosa “aborrescência”, em seu conceito mais clássico, se é que ele existe.


O que vemos hoje no Brasil é exatamente isso. Pessoas sem terem cursado medicina têm opiniões técnicas irrefutáveis para dar, por exemplo, sobre vacinas. Pessoas que não se dedicaram ao estudo do Direito, leia-se, estudo formal de graduação em Direito, sabem muito mais sobre a (in)adequação das decisões dos Tribunais Superiores que os próprios ministros. Pessoas que não conhecem qualquer conceito de economia comentam sobre bolsa de valores, mercado e prognósticos com mais tranquilidade que qualquer titulado estudioso da área conseguiria ter. É, de fato, o “superpoder” do saber que paira sobre nossa jovem democracia.


Como realmente é complicada esta fase da vida!


Para muitos o caos e a divisão agora instalados não acabarão jamais.


Ouso discordar, pois só há uma maneira de avançarmos: irmos a fundo nas feridas sociais históricas.


Admitirmos que temos todas as virtudes que ostentamos com orgulho, mas que também temos os piores defeitos que estavam escondidos literalmente embaixo do tapete e que a tecnologia e a famosa liberdade de expressão fizeram emergir sem filtros.


Viva a liberdade de expressão que permite que nos conheçamos. Viva a liberdade de expressão que traz nossas melhores e piores características. Viva a liberdade de expressão que nos fará entender que somente por meio dela conseguiremos evoluir, mas não com embates extremistas que funcionam como um pêndulo que ora bate à esquerda, ora bate à direita, mas aquela liberdade de expressão com o propósito de nos trazer o equilíbrio e o consenso. Que nos portará ao nível de debate de ideias com uma única regra: a de respeitarmos a diversidade de opiniões e buscarmos um denominador comum.


Até isso vai exigir de nós o reconhecimento de nosso defeito maior: o de querermos ter sempre razão. Infelizmente isso não vai ser possível. Nem sempre. E tudo bem também. Que venha a maturidade!


*Ana Cláudia Scalquette, advogada. Doutora em Direito Civil pela USP. Escritora. Professora Universitária. Conselheira Estadual da OABSP


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica


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