GABRIEL MARSON JUNQUEIRA 15 MAIO 2024 | 4min de leitura
Como se sabe, um dos elementos fundamentais de um sistema de compliance é a denominada “institucionalização”. Isso significa, a traço bem grosso, que deve existir um departamento de compliance, que tal departamento deve gozar de suficiente independência e deve dispor de todos os meios necessários para o cumprimento de suas tarefas[2].
No âmbito do corporate compliance, o que se costuma afirmar é que, para que não estejamos diante de um sistema de conformidade “de fachada”, o setor ou departamento de compliance deve ser mesmo profissional e independente. Além disso, a ele devem ser disponibilizados os meios materiais, humanos e técnicos necessários para o cumprimento de suas tarefas. Sem isso, fica difícil, inclusive, sustentar que há um efetivo comprometimento dos máximos dirigentes da empresa com os objetivos do sistema de conformidade (tone from the top)[3].
O ponto mais delicado reside em saber como proporcionar a aludida independência ao departamento de compliance. Algumas empresas têm optado por conferir ao dirigente máximo do departamento – o Chief Compliance Officer – o status de um alto executivo, subordinado apenas ao presidente do Conselho de Administração. Outras, no entanto, têm escolhido criar um órgão de supervisão do sistema de conformidade, composto por pessoas de fora da organização, para monitorar aqueles que, desde dentro, executam as medidas anticorrupção. Essa última estrutura – caracterizada por uma bicefalia (supervisão vs. execução) – foi a preconizada pelo sistema italiano de responsabilidade penal de pessoas coletivas.
Na esfera do public compliance, as questões a serem dirimidas são essencialmente as mesmas. Com efeito, também aqui, a máxima “tone from the top” precisa ser observada. Ademais, as atribuições próprias de compliance não devem ser mescladas com outras, nem mesmo com as de assessoria jurídica ou controle interno (profissionalização); ao departamento responsável devem ser fornecidos todos os meios necessários para o cumprimento de suas tarefas; e a ele deve ser outorgada, finalmente, a “independência necessária”, conforme art. 6.2, da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção – o diploma internacional, no entanto, não esclarece como proporcionar referida independência.
Em nosso sentir, primordial é a observância desses parâmetros. Assim, parece-nos secundário o debate sobre qual o melhor modelo de “agência anticorrupção”, ou seja, se é o “modelo investigativo”, como o de Singapura, se é o “modelo parlamentar”, a exemplo do de Nova Gales do Sul, Estado da Austrália, se é o “multi-agency model”, dos EUA, ou se é o “modelo universal”, que concentra funções investigativas, preventivas e educativas, como o de Hong Kong e da Catalunha, replicado, em alguma medida, pela Argentina[4].
Atento àqueles parâmetros que consideramos mais relevantes (tone from the top, independência etc.), o legislador italiano encontrou uma solução, a nosso ver, no geral, elogiável. Por meio da Legge Anticorruzione nº 190/2012, optou, no que diz respeito à independência, pela transposição da estrutura bicéfala, já recomendada, em Itália, na esfera do corporate compliance, para o âmbito do public compliance. Com isso, procedeu o legislador daquele país a uma separação das funções de supervisão e de execução, ficando a primeira confiada a um órgão composto por pessoas que não integram a Administração Pública[5].
Nessa linha, as funções de supervisão ficaram a cargo da Comissão de Avaliação, Transparência e Integridade das Administrações Públicas (CIVIT). Cuida-se de um órgão colegiado, composto por cinco membros eleitos, dentre pessoas estranhas à Administração Pública, mas com comprovada competência em termos de serviço público, gestão, medição de desempenho, avaliação de pessoal etc.[6].
O detalhamento das atribuições da Comissão foi feito no art. 1.2, da Lei nº 190/2012. Dentre elas, destacamos: a) supervisão e controle sobre a efetiva aplicação e eficácia das medidas de prevenção tomadas pela Administração Pública; b) aprovação do plano nacional de combate à corrupção elaborado pelo Departamento de Função Pública (principal órgão de execução); c) análise das causas e fatores que fomentam a corrupção, identificando intervenções que podem favorecer a prevenção e o combate; e d) apresentação de relatório ao Parlamento, até 31 de dezembro de cada ano, sobre as atividades de controle da corrupção e sobre a eficácia das medidas já adotadas.
Dentro da Administração, as funções de execução foram divididas em três níveis. Mas sobre isso poderemos falar num próximo texto, a ser eventualmente publicado neste mesmo espaço.
[1] Este texto corresponde, em larga medida, ao item 4.2.2, do livro A prevenção da corrupção na administração pública: contributos criminológicos, do corporate compliance e public compliance (Editora D´Plácido), do mesmo autor.
[2] Cf. ENRIQUE BACIGALUPO, Compliance y Derecho Penal, Thonsom Reuteurs, Navarra, 2011, p. 113.
[3] Cf. ADÁN NIETO MARTÍN, De la ética pública al “public compliance”..., cit., p. 26-27, ENRIQUE BACIGALUPO, ob. cit., p. 113, e JAIME ALONSO GALLO, Los programas de cumplimiento, in Estudios sobre las reformas del código penal: operadas por las LO 5/2010, de 22 de junio, y 3/2011, de 28 de enero, DÍAZ-MAROTO Y VILLAREJO, Julio / RODRÍGUEZ MOURULLO, Gonzalo, Navarra, Civitas, 2011, p. 171.
[4] Para maiores considerações sobre as características desses modelos, ver JOHN R. HEILBRUNN, Anti-Corruption Commission: Panacea or Real Medicine to Fight Corruption?, Word Bank Institute, Washington, 2004, p. 01-15.
[5] Cf. ADÁN NIETO MARTIN, De la ética pública al “public compliance”..., cit., p. 32.
[6] Art. 13, do Decreto Legislativo nº 150/2009.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica
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