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Caso Americanas: onde a governança falhou?

Por Daniel Lança*

15/02/2023 | 05h00


Governança corporativa é um tema em voga nas grandes organizações; conhecer suas bases é fundamental para obter sucesso no mundo executivo. Seu conceito é relativamente simples: trata-se do sistema pelo qual as empresas e demais organizações são dirigidas, monitoradas e incentivadas no relacionamento com as diversas partes interessadas (IBGC). O que isso tem a ver com o recente rombo financeiro das Americanas? A governança falhou?


É verdade que é fácil ser profeta do passado. Em A lógica do Cisne Negro, Nassim Taleb lembra que a história contada pelo retrovisor sempre faz mais sentido na medida em que colhemos os detalhes mais convenientes para a coerência da nossa própria conclusão. Seja como for, as escolas de negócios ainda se utilizam de estudos de casos para aprender com os erros (ou acertos) do passado. Dito isso, vamos ao case.


Pelas informações publicadas nos últimos dias - e ainda há muito a descobrir - é possível dizer que sim, a governança das Americanas falhou. Governança pressupõe - como conceituado - que todos os setores, processos e decisões de uma organização devem ser monitorados, baseado nos princípios da responsabilidade corporativa e prestação de contas (accountability).


Portanto, a decisão de validar contabilmente as operações de risco sacado ou forfait - que desencadearam o rombo bilionário e, que se diga, não são incomuns - precisariam necessariamente ser monitoradas por alguns órgãos de governança que falharam, seja por omissão ou por fraude. Senão vejamos.


O primeiro e mais importante órgão de governança de uma organização é o Conselho de Administração. Compete a ele fixar a estratégia, monitorar a diretoria, manifestando-se sobre o relatório da administração e suas contas, além de fiscalizar os livros e papeis da companhia. Para tanto, este pode contar com o auxílio de outros órgãos de governança, como o Comitê de Auditoria estatutário e as auditorias externa e interna, além do Conselho Fiscal e das áreas de compliance, gestão de riscos e controles internos.


Cabe, nesse caso, especial apuração sobre os atos da diretoria, que executa propriamente a gestão financeira da organização - esta, vale dizer, fora recentemente afastada para não atrapalhar as investigações[1]. Cada um desses órgãos tem papeis e responsabilidades bem definidos e podem ser responsabilizados na medida de sua culpabilidade.


A Lei das Sociedades por Ações (Lei Federal nº. 6.404/76) estabelece que os administradores podem ser responsabilizados pessoalmente por atos de gestão que resultem em prejuízos quando houver culpa (negligência, imprudência ou imperícia) ou dolo, ou quando violar a lei ou o estatuto da empresa. Ainda, a lei também estabelece punição por omissão dos gestores, quando houver conivência, negligência em descobrir ou se, tendo conhecimento de ato fraudulento, deixar de agir para impedir a sua prática. Há indícios de que diversos órgãos de governança podem ter falhado e compete às autoridades verificar se é o caso da existência de fraude ou omissão por parte dos executivos envolvidos.


Seja como for, é preciso aprender com o caso Americanas para evitar que algo similar ocorra novamente. Para tanto, será preciso fortalecer genuinamente a governança das empresas, bem como a regulação sobre contabilidade corporativa, como aconteceu nos EUA quando, após uma série de escândalos financeiros, foi aprovada a lei Sarbanes-Oxley. Em especial, será preciso robustecer o papel e estrutura da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), para o bem de acionistas, fornecedores, colaboradores e, em última análise, da confiabilidade e segurança do mercado brasileiro.



*Daniel Lança é advogado e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Professor convidado da Fundação Dom Cabral (FDC) e sócio da SG Compliance


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

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