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Compliance, democracia e liberdade de expressão: o público e o privado da voz dos integrantes de emp

tayane16

A votação do primeiro turno das eleições municipais se aproxima, ampliando as discussões sobre os candidatos que em 2020 disputaram a agenda setting e a esfera pública com a pandemia de Covid-19, com os testes das vacinas, com a segunda onda de contaminações na Europa e com as questões políticas do âmbito federal.


Em períodos eleitorais, imersos em uma ambiência digital plataformizada, o tema da liberdade de expressão dos cidadãos e possíveis conflitos organizacionais ganha espaço. O caso da jogadora de vôlei de praia Carol Solberg, advertida pela primeira comissão disciplinar da Justiça Desportiva (STJD) no dia 13 de outubro, por gritar “Fora, Bolsonaro” em uma partida de um torneio nacional realizado no dia 20 de setembro de 2020 é ilustrativo deste debate.


O tema política e eleições contempla geralmente um forte mapeamento de riscos de conflitos de interesses no contexto das organizações, principalmente as privadas. Os temas vão desde a restrição e cuidado com contratações de fornecedores com vinculação de Pessoas Politicamente Expostas (PPE), o licenciamento de funcionários em períodos de candidatura, a não doação financeira ou material a representantes políticos que possa configurar financiamento privado de campanhas, até as orientações para a conduta de funcionários para promover um ambiente organizacional mais isento de conflitos de interesse.


Se observarmos o lado da gestão pública, esse cuidado nas relações governamentais e institucionais é importante para uma governança que proteja os interesses dos cidadãos, de encontro aos interesses unilaterais de organizações conflitadas com agentes públicos que obtém algum tipo de vantagem eleitoral.


Pelo ponto de vista empresarial, a busca dessa governança ou de “neutralidade” visa assegurar que as decisões sejam pautadas apenas pelos interesses organizacionais e das partes interessadas em sua cadeia de valor. Isso envolve inclusive a proteção aos próprios funcionários, que precisam ter assegurada a liberdade para eleger seus candidatos sem a interferência hierárquica e de relações de poder.


Mas a liberdade de expressão no contexto organizacional está permeada por desafios. Por um lado, casos como o do Luciano Hang, dono da empresa Havan, que em 2018 foi alvo de uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho de Santa Catarina. Segundo os procuradores do Trabalho, a empresa realizou pesquisa eleitoral com identificação dos empregados e praticou assédio moral com a finalidade de interferir no livre exercício do direito de voto. No caso da Havan, além do apoio político público por parte do dono, o relatório apontava para eventos com funcionários com ostensiva campanha política e pedidos para que os funcionários votassem no candidato Jair Bolsonaro.


Fatos como esses problematizam a democracia em contextos organizacionais permeados por relações de dependência econômica e poder hierárquico. Mesmo o voto sendo secreto, as organizações em seus ambientes de influência podem direcionar o debate e silenciar vozes e manifestações de seus empregados. De modo mais ou menos sutil, observa-se em empresas privadas diversas iniciativas de direcionamento por meio de palestras, artigos e expressão de vertentes políticas por parte de líderes que criticam e até ridicularizam outras posições.


Quando executivos, que cada vez mais são porta-vozes organizacionais em suas redes sociais, que recebem até apoio e orientações para o compartilhamento de conteúdos, desejam emitir suas percepções pessoais, quais linhas podem separar a opinião da organização e a opinião do cidadão que é empregado desta?


A justificativa dada no caso da advertência da jogadora Carol Solberg, de descumprimento ao artigo 3.3 de um anexo do regulamento do Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia, evidencia o interesse de busca de “neutralidade” que proteja a reputação e os patrocínios. O artigo assinado pela jogadora informa que “O jogador se compromete a não divulgar, através dos meios de comunicações, sua opinião pessoal ou informação que reflita críticas ou possa, direta ou indiretamente, prejudicar ou denegrir a imagem da CBV e/ou os patrocinadores e parceiros comerciais das competições”. Mesmo que a repercussão do caso tenha caminhado para debates e questionamentos sobre a interpretação feita pela comissão, as argumentações dos integrantes apontam para a preservação dos interesses dos patrocinadores que não desejam ter suas imagens atreladas a questões políticas.


Observa-se nesta linha, algum interesse em tentar manter essa “neutralidade” política por parte das organizações. Na entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura do dia 05 de outubro, a dona da rede Magazine Luiza, Luiza Helena Trajano, foi questionada pelo menos quatro vezes sobre sua opinião partidária ou sobre ações do Governo, não respondendo a nenhuma delas. Ao pedir para concentrar o foco em projetos para o país, defendendo uma discussão apartidária, em resposta à insistência da bancada de entrevistadoras, ela respondeu de modo gentil que não iria “cair” na insistência de discutir “um ou outro lado”. Ponderou que mudanças não são feitas isoladamente, mas em grandes movimentos da sociedade civil organizada, como o “Mulheres do Brasil”, do qual ela faz parte.


A dualidade entre a tentativa de manutenção de neutralidade e a expectativa social de manifestações que contribuam para o debate na esfera pública, do qual depende o próprio desenvolvimento da democracia, precisa ser mais problematizada no contexto corporativo.

As organizações enfrentam cada vez mais desafios na orientação ao comportamento de seus funcionários, por meio de manuais de uso de mídias sociais digitais e códigos de conduta.


Qual seria a linha tênue entre a busca da “neutralidade” da organização, das liberdades individuais dos empregados e a possível interferência por “silenciar” o próprio contexto democrático?


A sociedade em rede, em uma ambiência de forte interação nas plataformas de mídias sociais digitais, mistura os papéis, as funções, confunde o organizacional e o privado.

Sem entrar no fato das bolhas informativas e do isolamento opinativo que os algoritmos promovem nestas plataformas e direcionam as interações sociais digitais, é nesta esfera pública cada vez mais digitalizada que a democracia se constrói. É nesta ambiência que os atores sociais compartilham e disputam suas opiniões, argumentações e aos poucos tece o fenômeno complexo da opinião pública.


O quanto executivos e empregados são silenciados, de modo institucional ou indiretamente, em suas manifestações que podem divergir da opinião de líderes ou comprometer a neutralidade organizacional? Por outro lado, o quanto executivos e empregados que se manifestam politicamente influenciam, por suas relações de poder, seus subordinados e afetam o interesse de neutralidade organizacional?


A necessidade de ampliar esse debate passa pela constatação de que a pluralidade de vozes de cidadãos precisa compor a construção da opinião pública e da democracia, sejam eles funcionários de organizações ou não. Os direitos de liberdade de expressão e de proteção da integridade organizacional precisam ser discutidos em caminhos por meio dos quais as pessoas possam exercitar sua cidadania ao mesmo tempo em que entregam sua responsabilidade profissional.


Ágatha Camargo Paraventi, professora da Faculdade Cásper Líbero.

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