Em votações que duram menos de 1 mês, muitos dos congressistas emendaram a Constituição para aumentar gastos públicos.
Estudo feito pelo consultor do Senado Clay Souza e Teles, a pedido do jornal O Estado de São Paulo, mostra que os políticos brasileiros têm maior facilidade para conseguir promover alterações nas regras constitucionais em comparação a seus respectivos colegas políticos de outros 11 países ocidentais democráticos.
O Brasil tem o Poder Legislativo que mais alterou a Constituição, observando outras 11 democracias ocidentais. Com muito menos barreiras e regras menos rigorosas para mexer na principal norma do país, a nossa Carta Magna já foi modificada 131 vezes em 34 anos desde sua promulgação em 05/10/1988.
Os atuais deputados e senadores vão concluir seus mandatos em dezembro com um recorde: foram os que mais mudaram a Constituição desde 1988. Só nos últimos 3 anos e 8 meses, foram feitas 26 alterações através das PECs –propostas de emendas à Constituição.
Neste repertório de respeito está incluída a PEC Kamikaze, que autorizou o gasto de R$ 42 bilhões em plena época de campanha, o que muitos observadores e especialistas denominaram de verdadeira compra de votos autorizada disfarçada e desrespeito brutal aos limites de gastos em períodos eleitorais.
Houve também as PECs pretendidas que não foram aprovadas por pequena margem como a PEC da vingança contra o Ministério Público, para a qual faltaram 12 votos. Pretendia-se intervir politicamente no MP, impondo que a escolha do Corregedor Nacional do MP seria feita pelo Congresso, além de aumentar o número de Conselheiros do CNMP oriundos do Congresso, chegando-se a cogitar em permitir intervenções do CNMP em investigações dos Promotores e Procuradores.
Cogita-se também por PEC subjugar o STF à Câmara, estabelecendo que o Congresso poderia rever decisões não unânimes da Suprema Corte, o que evidentemente afronta o princípio da separação constitucional dos poderes. Não obstante, o vice-presidente da CCJ da Câmara veio a público externar seu apoio à proposição.
Em votações vapt-vupt, que duram menos de 1 mês e com pouquíssimo debate, o que cria dano democrático, muitos dos congressistas que tentam a reeleição em outubro emendaram a Constituição para aumentar gastos públicos, para alterar o sistema previdenciário e conceder benefícios para si mesmos e para diversas categorias.
“Há risco de banalização do texto constitucional e instabilidade jurídica, que gera repulsa a investimentos no país. Essas mudanças transformam a Constituição em mero pedaço de papel, deixando de ser a Lei Magna”, disse o cientista político Leandro Consentino, do Insper. A avaliação é compartilhada também por constituintes.
Para alterar leis, exige-se a maioria simples, enquanto a alteração da Constituição exige o quórum de 3/5 dos votos dos congressistas. E nada mais. Em outros países muitas vezes são estabelecidas mais barreiras protetivas à Constituição, como a chancela por outros organismos ou a imposição de vigência e confirmação em outra legislatura.
Nos Estados Unidos, por exemplo, onde a Constituição é do século 18, os congressistas alteraram o texto só 27 vezes ao longo de 233 anos. Chile (60 desde 1980), Argentina (7 desde 1853), Alemanha (60 desde 1949) e Portugal (7 desde 1978) também são mais cautelosos com as alterações. Os congressistas mexicanos reformaram sua Constituição 251 vezes, mas num período de 105 anos. A Carta é de 1917.
A percepção de insegurança jurídica é extremamente danosa no campo da credibilidade institucional. Repetidas aferições apontam a baixa credibilidade dos representantes congressistas, quer da Câmara dos Deputados, quer do Senado, quer dos partidos políticos que intermediam sua inserção no mundo político.
Normas, que seriam a principal fonte do Direito, pela segurança jurídica oferecida, não oferecem mais segurança porque qualquer lei ou regra constitucional pode ser esmagada poucos anos ou meses depois da sua vigência –de acordo com os interesses de ocasião, transmitindo-se a sensação de que a lealdade democrática à sociedade é peça de museu.
Parece inacreditável, mas hoje, de fato vivemos uma total inversão de valores. A regra tem sido o exercício do poder visando aos próprios interesses daqueles que ali estão, num processo de verdadeira liquefação das normas, inclusive constitucionais, lembrando, de certa maneira, a lógica de Zygmunt Baumann.
São as normas líquidas, que têm sepultado o princípio constitucional da prevalência do interesse público. A renovação da representação política nas eleições de 2 de outubro, a partir da campanha que se inicia hoje, com a posse do novo presidente do TSE pode mudar o curso deste processo. É o que se espera.
Autor ROBERTO LIVIANU
PROCURADOR DE JUSTIÇA NO MPSP, DOUTOR EM DIREITO PELA USP, ESCRITOR, PROFESSOR, PALESTRANTE, É IDEALIZADOR E PRESIDENTE DO INSTITUTO ‘NÃO ACEITO CORRUPÇÃO’
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