Por Luciano Benetti Timm e Maria Carolina Boni*
05/04/2023 | 05h00
No início desse ano, apresentamos nessa coluna um panorama da evolução histórica dos controles internos no Brasil e evidenciamos a sua positivação por meio de várias normas legais, demonstrando que essa sistemática de governança tende a ser crescente - pelo menos assim esperamos - e que sua adoção resulta em organizações com melhor governança, menor conflito de interesses e, portanto, mais sustentáveis e lucrativas, sem falar de todo debate sobre ESG, que não será tratado aqui por falta de espaço.
Neste retorno ao sobre o tema, trataremos dos aspectos contábeis da integridade corporativa sob a égide da Lei Anticorrupção Brasileira (LAB), tendo em vista que em seu Decreto regulamentador, atualmente Decreto nº 11.129/2022, enfatizou os controles internos, particularmente no que se refere aos relatórios e demonstrações financeiras, quando prescreveu expressamente, em seu artigo 57, inciso VI, como um dos parâmetros de um bom Programa de Integridade: "registros contábeis que reflitam de forma completa e precisa as transações da pessoa jurídica e em seu inciso VII, "controles internos que assegurem a pronta elaboração e a confiabilidade de relatórios e demonstrações financeiras da pessoa jurídica."
Diz-se que a LAB enfatizou o tema das demonstrações contábeis porque a Lei das S/A (LSA) já determinava a obrigação de sua publicação dentro dos padrões e regras nacionais, i.e., a regulamentação do Conselho Federal de Contabilidade (CFC). Trata-se, portanto, de um dever dos administradores.
E essa obrigação é bastante relevante para os fins de correções de assimetrias informacionais entre acionistas e administradores em uma companhia aberta. Vale dizer, ela reduz custos de transação relacionados ao monitoramento dos atos de gestão dos administradores. Todavia, naturalmente, não bastam apresentar tais informações; dado que as demonstrações contábeis são uma fotografia da situação patrimonial da empresa, elas precisam ser fidedignas para permitir uma decisão informada dos acionistas.
Nessa esteira, convém lembrar o parágrafo único, do artigo 6º, da Resolução nº 1.282 de 28.05.2010, do CFC, que trata dos princípios fundamentais de contabilidade, que dispõe: "A falta de integridade e tempestividade na produção e na divulgação da informação contábil pode ocasionar a perda de sua relevância, por isso é necessário ponderar a relação entre a oportunidade e a confiabilidade da informação."
Em adição, a Resolução nº CFC 750/93, artigo 10, § único, estabelece o que seja o Princípio da Prudência, ao determinar "o emprego de certo grau de precaução no exercício dos julgamentos necessários às estimativas em certas condições de incerteza, no sentido de que ativos e receitas não sejam superestimados e que passivos e despesas não sejam subestimados, atribuindo maior confiabilidade ao processo de mensuração e apresentação dos componentes patrimoniais."
Finalmente, é fundamental que se considerem as orientações de provisionamento de disputas judiciais constante do CPC 25 do CFC. Trabalho acadêmico de Gabriel dos Anjos Lima da FGVSP[1] demonstrou que em muitos casos judiciais de impacto nas companhias, o provisionamento estava equivocado. O provisionamento equivocado afeta o valor da empresa e e prejudica acionistas, além de poder indicar decisões equivocadas no âmbito da judicialização exagerada de conflitos.
Logo, a dinâmica dos controles internos deve se dar de forma orgânica nas organizações, assegurando que informações íntegras e tempestivas sigam o fluxo necessário para a adequada tomada de decisão em relação a questões estratégicas e também em casos em que medidas de contingências devam ser tomadas com agilidade.
Ademais, não só é preciso praticar a cultura de controles, como mantê-la evidenciada através de registros organizados e atualizados, particularmente nos dias de hoje em que com o emprego da tecnologia é mandatório para se manterem informações atualizadas, mas também para que sejam acessíveis.
Outro aspecto linearmente relacionado à fidedignidade e tempestividade de informações diz respeito à segregação de funções no ambiente organizacional, sem estes componentes restringe-se a efetividade da cultura de controles, uma vez que um dos seus supedâneos é a ausência de conflitos de interesses e este deve estar assegurado por meio de um ambiente onde funções conflitantes estejam segregadas e constantemente monitoradas. Além disso, é necessário que os colaboradores e todas as partes interessadas tenham a necessária segurança de que seus reportes não lhes causarão qualquer retaliação.
Mas é claro que uma mudança cultural de gestão passa, sobretudo, por enforcement das regras legais; vale dizer, é fundamental que as regras legais acima citadas sejam efetivamente aplicadas pelas autoridades públicas.
[1] https://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/bitstream/handle/10438/29921/TC%20-%20Gabriel%20dos%20Anjos%20Vaz%20de%20Lima.pdf?sequence=1&isAllowed=y
*Luciano Benetti Timm, advogado sócio do CMT Advogados e professor da FGVSP
*Maria Carolina Boni, advogada com experiência em regulação financeira e controles internos/compliance, no Brasil e no exterior
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