RODRIGO AUGUSTO PRANDO* 06 NOVEMBRO 2023 | 5min de leitura
Os dois últimos artigos aqui publicados – parceria do INAC com o Blog do Fausto Macedo – versaram sobre a persistente indistinção entre o público e o privado, bem como acerca do jeitinho, malandragem e corrupção.
Neste escrito, procurarei deslindar algumas questões que considero importante a partir do livro “A cabeça do brasileiro”, de Alberto Carlos Almeida (Editora Record, 2007). Na referida obra, Almeida busca submeter a um teste quantitativo - PESB (Pesquisa Social Brasileira) - as premissas da antropologia e sociologia de Roberto DaMatta. Almeida aduz que:
“A Pesquisa Social Brasileira mostrou que Roberto DaMatta está certo em muitas de suas afirmações: o Brasil é hierárquico, familista, patrimonialista e se encaixa em vários outros adjetivos que significam arcaísmo, atraso. Um dos cientistas sociais mais lidos e citados no Brasil, suas intepretações, como um espelho, ajudam os brasileiros a enxergar, a tomar consciência de como são. Porém, há uma ressalva importante a fazer. O país não é um bloco monolítico, mas uma sociedade profundamente dividida” (p.25).
Segundo, ainda Almeida, como parte substancial da população brasileira tem escolaridade baixa, a pesquisa identificou que a mentalidade – a cabeça do brasileiro – segue as seguintes características: apoia o jeitinho brasileiro, é hierárquico, é patrimonialista, é fatalista, não confia nos amigos, não tem espírito público, defende a “lei de Talião”, é contra o liberalismo sexual, é a favor de mais intervenção do Estado na economia e é a favor da censura. Como se depreende das característica aqui descritas, de 2002 a 2022, o nosso país não mudou muito e, mais do que nunca, assistimos um país fraturado, dividido, politicamente, só que, agora, em grandes bolhas digitais, numa violência simbólica e física, nas redes e nas ruas.
O primeiro capítulo do livro “Corrupção: com jeitinho parece que vai” é tomado de empréstimo para o título deste artigo. A conexão entre corrupção e jeitinho é apresentada por Almeida e, em suas palavras, “os brasileiros têm a chance de saber por que a “cultura da corrupção” é tão enraizada entre nós. A PESB mostra que isso acontece porque a corrupção não é simplesmente a obra perversa de nossos políticos e governantes. Sob a simpática expressão “jeitinho brasileiro”, ela é socialmente aceita, conta com apoio da população, que a encara como tolerável” (p.45-6).
Na pesquisa, os entrevistados respondem: 1) alguma vez na vida já deu um jeitinho (63% sim, 20% não, 1% não sabe/não respondeu e 15% não sabe o que é jeitinho); 2) alguma vez na vida já pediu para alguém dar um jeitinho para você (63% sim, 21% não, 1% não sabe/não respondeu e 15% não sabe o que é jeitinho) e 3) alguma vez na vida já deu um jeitinho para alguém (65% sim, 19% não, 1% não sabe/não respondeu e 15% não sabe o que é jeitinho). Depois, temos o uso do jeitinho de acordo com o nível de escolaridade: Superior o mais (70% sim e 29% não); Ensino Médio (71% sim, 21% não, 2% não sabe/não respondeu e 6% não sabe o que é jeitinho); Da 5ª a 8ª série (66% sim, 18% não, 2% não sabe/não respondeu e 14% não sabe o que é jeitinho); Até a 4ª série (53% sim, 18% não, 1% não sabe/não respondeu e 28% não sabe o que é jeitinho) e, por fim, Analfabeto (51% sim, 12% não, 1% não sabe/não respondeu e 36% não sabe o que é jeitinho).
Na sequência, a investigação questiona acerca do jeitinho com a faixa de idade; a classificação entre favor, jeitinho e corrupção. Neste caso, Almeida assevera que o “jeitinho é o meio-termo, o meio caminho entre os dois extremos da classificação moral das situações. É nesse espaço nebuloso que reside a dificuldade dos brasileiros em estabelecer e concordar a respeito de critérios universais sobre o que é certo e o que é errado, independente do contexto ou grupo social” (p.59). Outro aspecto relevante é que os moradores da capital e os moradores de fora das capitais encaram de forma distinta a corrupção: os moradores das capitais tendem a classificar muito mais como “corrupção” as situações que, em outras localidades, são consideradas “favor” ou “jeitinho”. Em termos de idade, os jovens tendem a considerar as situações mais como “corrupção” do que os mais velhos. Na clivagem de renda, a População Economicamente Ativa (PEA) tende a considerar as situações mais como corrupção do que as pessoas que não fazem parte da PEA. Em termos regionais, os habitantes do Nordeste tendem a considerar as situações mais como favor do que as pessoas que moram nas demais regiões do Brasil. Já na escolaridade, as pessoas de maior escolaridade tendem a considerar as situações mais como corrupção do que as que de escolaridade mais baixa.
São muitas as páginas só dedicadas a este capítulo. Os dados são abundantes e as situações propostas aos respondentes são realidades cotidianas para os brasileiros e, por isso, podem ser classificadas em “favor”, “jeitinho” e “corrupção”. Na perspectiva de Almeida:
“O que se conclui a partir dessa pesquisa é que a opinião pública brasileira reconhece a aceita, em grande medida, que se recorra ao jeitinho como padrão moral. Além disso, há uma divisão profunda (50% versus 50%) entre os que o consideram certo e os que o condenam. Por isso, se os níveis de corrupção no Brasil provavelmente estão relacionados à aceitação social do jeitinho – que é grande e bastante enraizada entre nós -, os resultados da pesquisa indicam que temos um longo caminho pela frente se o que desejamos é o efetivo combate à corrupção” (p.70-1).
Fica, portanto, aos leitores, o convite para a leitura de “A cabeça do brasileiro”, bem como das obras de Roberto DaMatta (“Carnavais, malandros e heróis”) e, também, de Lívia Barbosa (“O jeitinho brasileiro”).
*Rodrigo Augusto Prando, professor universitário e pesquisador. Graduado em Ciências Sociais, mestre e doutor em Sociologia pela Unesp. Colaborador do Instituto Não Aceito Corrupção
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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