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  • tayane16

Corrupção privada importa


Em 27 de maio de 2015, sete executivos internacionais de futebol foram presos por corrupção, incluindo o ex-presidente da CBF, José Maria Marin, deflagrando o Fifagate, operação oriunda de investigação conjunta das justiças dos EUA e da Suíça. Mas por que operações como estas não acontecem no Brasil?


Acompanhe comigo a lógica: se, no Brasil, ocorrer um suborno para facilitar, digamos, a contratação da empresa X em uma licitação pública, as penas previstas podem chegar a 12 anos para quem solicita ou recebe (corrupção passiva), além de até oito anos para quem oferece ou promete a propina (corrupção ativa). Se o mesmo acontece entre duas empresas privadas – como no futebol – não há punição cabível na legislação brasileira.


Foi exatamente o que aconteceu no caso do Cruzeiro. Para buscar alguma punição, o Ministério Público de Minas Gerais precisou de criatividade para denunciar ex-dirigentes do clube por lavagem de dinheiro, apropriação indébita, falsidade ideológica e formação de organização criminosa. Caso houvesse a tipificação do crime de corrupção privada, a persecução penal seria certamente mais assertiva e eficiente.

É possível que a lógica do legislador da década de 1940, quando o Código Penal foi elaborado, fosse de que apenas a corrupção que envolvesse dinheiro público – digo, do pagador de impostos – mereceria ser punida. Faz sentido a lógica liberal do direito penal mínimo nesse caso.


Entretanto, a corrupção privada também merece tutela legal, uma vez que prejudica a livre concorrência, mitiga a competitividade, gera dominação artificial de mercado e aumenta arbitrariamente os lucros a partir do exercício abusivo de posição dominante. Em última análise, as distorções geradas nos preço prejudicam o consumidor final daquele mercado específico.


Obviamente, há ainda o argumento filosófico: pagar ou aceitar uma vantagem indevida como um incentivo ou recompensa para agir ou deixar de agir em relação ao desempenho das suas obrigações é igualmente repreensível, independentemente se há ou não dinheiro público envolvido.


Por tudo isso, a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção de 2003 – do qual o Brasil é signatário – estabeleceu o compromisso aos Estados membros de adotar medidas para qualificar o suborno privado como delito quando cometido intencionalmente no curso de atividades econômicas, financeiras ou comerciais (artigo 21). Países como Reino Unido, França, Alemanha, Portugal, Colômbia e Chile, por exemplo, já tipificam a corrupção privada.


Nesse sentido, um primeiro caminho ao país é o da criminalização da corrupção privada, tipificando a conduta no Código Penal brasileiro com pena de reclusão e multa. Assim, quem pratica tal ato pode pegar cadeia. Atualmente, há diversos Projetos de Lei neste sentido em tramitação no Congresso Nacional e esta é uma das 70 Novas Medidas Contra a Corrupção (nº. 46).


Outro caminho possível, também presente das Novas Medidas Contra a Corrupção (nº. 45) é a ideia da responsabilização das empresas por corrupção privada, nos mesmos moldes da lógica trazida pela Lei Anticorrupção (Lei Federal nº. 12.846/13). Nesse sentido, haveria a figura da responsabilidade civil e administrativa – sobretudo, multa – às pessoas jurídicas que praticassem a corrupção privada, sem prejuízo das penas aplicáveis aos administradores pessoalmente. Além disso, esta medida propõe os mesmos incentivos à criação de programas de compliance às empresas para que promovam a prevenção, detecção e punição da corrupção privada.


O futebol é provavelmente o maior interessado no lobby pela desregulamentação da corrupção privada no país, mas não o único. A quem interessa não punir o suborno entre particulares? Se desejamos exterminar aquele capitalismo absolutamente selvagem, em que vence o mais desleal, é premente importar de fora algumas das melhores práticas citadas acima. Corrupção privada importa.


*Daniel Lança é mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa – Portugal, e sócio da SG Compliance.

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