Umberto Eco, filósofo, escritor, semiólogo e linguista, autor de inúmeras obras e respeitado em todo o mundo, tem como uma de suas falas mais lembradas a ideia de que as redes sociais são a besta do século XXI. A referência é mesmo a “besta”, aquela que nas histórias da Disney é representada pela fera, na interpretação linguística do latim bestia, símbolo da maldade, na referência religiosa ao Diabo.
A interpretação dada pelo autor sugere a capacidade das redes sociais em dar voz a qualquer pessoa que assim deseja, independente da competência. No recente conceito de “cancelamento” concordamos todos, quase que em uníssono, que as redes sociais caminham em contra passo da reputação: ela ali não é primordial para o sucesso, e se for antagônica a popularidade (no momento), pode ser perdida em um piscar de olhos.
Umberto Eco faleceu em 2016, portanto, concordando ou não com o grande professor que viveu quase 90 anos, ele vivenciou cerca de 20 anos de internet. Gandhi, que morreu na primeira metade do século XX, dizia: “o que preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”. Sem saudosismo, nunca foi fácil combater o ilícito, a falta de ética, a corrupção, mas no século das redes, o preço da honestidade, de se posicionar contra uma política de morte, é muitas vezes o assassinato de reputações, o cancelamento. Atos que não conseguem mais serem restritos ao ambiente online porque não existe mais essa separação. A aldeia global é a rede no século XXI – fazendo referência a Marshall Mcluhan e Manuel Castells.
Talvez por isso voltamos para a reputação: aqueles dotados de conhecimento de determinado tema escolhem se manifestar em veículos de comunicação, dar entrevista a certos jornais, que mesmo incidindo em diferentes níveis de aceitação e popularidade, têm know-how e o famoso “cacife” para falar de assuntos perigosos.
O escândalo de Watergate nos EUA, que levou o presidente Nixon (1946) a renunciar, foi denunciado no Wastington Post. Já o escândalo de pedofilia que envolveu padres de Boston foi revelado no The Boston Globe (2002). No Brasil foi na revista Veja, em maio de 1992, que Pedro Collor denunciou que PC Farias era testa de ferro do irmão dele, o Presidente Fernando Collor de Mello (1989/1992). Depois do pedido de Impeachment aprovado pela Câmara dos Deputados e antes de seguir para o Senado, Collor renunciou. Era 29.09.1992, menos de seis meses após a entrevista. Hoje Fernando Collor (PROS-AL) é senador.
Quase próximo de completar 4 anos do Impeachment, PC Farias que era considerado o tesoureiro e a ‘caixa preta do esquema’, foi encontrado assassinado junto com a namorada, com um tiro no peito, em um crime que não foi concluída autoria até hoje. Segundo a Polícia Federal, PC Farias era o responsável por um caixa 2 de campanha de mais de 1 bilhão de dólares, dinheiro sujo de conexões com a máfia italiana e o crime organizado internacional.
Lucas Figueiredo, jornalista e escritor mineiro, escreveu “Morcegos Negros” (2000) em que conta a história de PC Farias, e mais tarde, “O Operador” (2006), que relata a atuação de Marcos Valério, o responsável pelo esquema de propina feito no Mensalão. Roberto Jefferson, deputado federal, no governo do presidente Lula da Silva (2003/2011), também escolheu a Veja para denunciar o Mensalão em 2005. O maior escândalo de corrupção do governo não impediu que Lula ainda eleger sua discípula Dilma Rousseff (2011/2016) – a segunda presidente a sofrer impeachment no Brasil.
Dilma Rousseff foi afastada pela denúncia de crime de responsabilidade nas chamadas pedaladas fiscais em seu segundo mandato, e nos escândalos do Petrolão – um “Mensalão” dentro da Petrobrás. Ela foi presidente do conselho administrativo da estatal por 7 anos, Ministra de Minas e Energia, e Ministra da Casa Civil nos governos Lula, antes de ser eleita presidente.
Sobre a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência, no dia da votação em Minas Gerais, Dilma declarou para o Portal G1 a respeito das eleições democráticas: “Por isso, você vê preocupações enormes com a eleição do Bolsonaro […] O Fascismo e Nazismo, para todos da Europa e dos Estados Unidos, é de direita. E de ultradireita. E sabem, perfeitamente, quais são as consequências dele”.
Fernando Collor de Mello, Dilma Rousseff e Jair Bolsonaro têm partidos e ideologias políticas distintos. Foram eleitos democraticamente. Sem dúvida, um direito que não se pode negar, uma conquista que não podemos regredir. Mas ser eleito democraticamente não é garantia de transparência, eficiência e ausência corrupção em um governo. Essas características se relacionam com a ética, que na sociedade em rede, pode ser no mínimo descrita como démodé pelo senso comum.
Fernando Collor lidou com o movimento dos caras pintadas, Dilma já conviveu com a ‘besta das redes sociais’ na opinião pública, e Bolsonaro tem a besta e a COVID-19 depositadas na mesma conta – de instagram, inclusive. O século XXI que não apresente mais uma peste, porque os escândalos de corrupção associados a besta das redes sociais, já são demasiados desorientantes em um cenário de mais de 500 mil mortes.
E agora, a sociedade em rede que suporte a corrupção em torno da vacina. É que nem a cura está a correr bem neste país democrático. A política brasileira está mesmo de morte.
*Izabela Drumond é jornalista, faz mestrado em Comunicação no ISCSP na Universidade de Lisboa, Portugal. Tem pós na UFMG e é graduada na PUC-MG. Faz parte da Internatinal Federation of Journalists (IFJ).
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção.
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