Alguma coisa de errado há com este país! Assim pensávamos em 2013 quando fomos para as ruas protestar. Não eram alguns centavos na passagem de ônibus apenas que incomodavam os brasileiros, nem sequer as tentativas do Congresso Nacional de tirar as investigações criminais do Ministério Público. Era um sentimento muito maior, difuso, mas presente e incômodo, de que não éramos realmente cidadãos, mas vítimas de algo perverso, quase invisível e indefinido, que vivia nas sombras do Estado, e que só conseguíamos perceber de relance em escândalos aqui e acola que surgiam de tempos em tempos.
Se há algo de importante na operação Lava Jato foi o levantamento desse véu que encobria esse espectro. E a verdade revelada, nua e crua, ou melhor obscena e degradante, é que grupos políticos agem no Brasil como bandos de vampiros, mantendo-nos em currais ideológicos para que sangremos até quase definharmos, alimentando-os e a um sistema político e econômico desigual e injusto. O que a Lava Jato descobriu é que tudo o que é público está à venda no Brasil para sustentar sanguessugas da direita ou da esquerda.
Como uma versão da caixa de Pandora, a verdade, uma vez revelada, não tem volta. Não é possível esquecer ou fingir que não existiu. A população sabe o que aconteceu na Petrobras, na Eletronuclear, nas obras da Copa do Mundo – chegamos mesmo a comprar uma Olimpíada. Sabe de malfeitos nos governos do PT, mas também dos governos estaduais do MDB no Rio de Janeiro, ou do PSDB em São Paulo ou Paraná. A verdade é que onde há governo, federal, estadual ou municipal, há corruptos, parasitas do Estado, prontos a roubar para sustentar suas campanhas políticas e seu estilo de vida luxuoso.
Descobrimos, enfim, que as cuecas não têm cor no Brasil. Sim, porque desmoralizaram até mesmo a lavagem de dinheiro, tornando-a em um assunto sujíssimo. A ganância é tanta que usam do seu próprio corpo para ocultar algumas poucas notas – que com o auxílio do Banco Central do Brasil puderam ser duplicadas – para salvarem parte do seu butim. Violam o próprio corpo para ocultar e salvar dinheiro cuja origem não conseguem explicar e que fede, metafórica e literalmente.
Infelizmente, tudo isso, todos esses anos de revelações sem fim, está anestesiando a indignação dos brasileiros. O que, em outros tempos levaria a uma revolução popular, hoje não leva mais que gatos pingados às ruas. Isto porque, após tantos anos de manifestações e da ascensão de um estelionatário político à presidência da república, vivemos um momento em que não nos espantamos mais com nenhum dos abusos noticiados. Ministros soltam políticos e líderes do PCC. Políticos e empresários enfiam dinheiro ilícito onde querem. Deputados e senadores envolvidos em crimes continuam impunes e se transformam em ministros. Rimos, ironizamos, mas damos os ombros para o que acontece, pois percebemos nossa impotência individual.
Além disso, a polarização ideológica transformando cidadãos em hooligans, vândalos da reputação alheia, incapazes de uma discussão séria sobre os grandes problemas nacionais. Nesse ambiente de extremistas, imbecis de internet e, pior, de uma imprensa condescendente, pouco se pode fazer salvo preservar o discernimento, manter o foco nos princípios éticos, insistir no diálogo e na argumentação racional e baseada em fatos. Aqui entra a importância desta coluna do instituto Não Aceito Corrupção.
Assim, quem tem o privilégio como eu de poder participar dessa iniciativa deve, nos limites da educação, se indignar, afirmar sempre que é possível um Brasil melhor, uma política mais limpa, um sistema que, capitalista e orientado para a economia de mercado, também possa ser justo. Mesmo que hoje pareça anacrônico e sem sentido reafirmar valores éticos e insistir no cumprimento das leis e da Constituição Federal, em dizer que os políticos devem servir o povo, e não se servir dele, a tarefa de manter essa chama da cidadania acesa sem fazer concessões arbitrárias para satisfazer políticos de estimação ou ideologias idiotizantes é o que resta de esperança para mobilizar a sociedade brasileira novamente. Uma luz, pequena que seja, em um momento de escuridão e medo, pode servir para orientar as pessoas ao caminho certo.
Carlos Fernando dos Santos Lima é advogado e ex-membro da FT Lava Jato.
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