Num breve intervalo de cinco dias, duas mensagens muito relevantes foram socialmente transmitidas em defesa da democracia, no sentido de bradar claramente que não há a menor possibilidade de que não seja respeitada a vontade soberana do povo nas urnas eletrônicas no dia 2 de outubro.
Em 11 de agosto último, quarenta e cinco anos após a leitura da histórica Carta aos Brasileiros por Goffredo da Silva Teles, em 1977, por ocasião dos cento e cinquenta anos da criação dos cursos jurídicos no Brasil, em São Paulo e Olinda, em plena ditadura, novos ventos sopraram.
Agora mais de 8.000 pessoas se irmanaram para ler a nova versão da Carta às Brasileiras e aos Brasileiros nas mesmas Arcadas, no mesmo chão pisado por Castro Alves e Lygia Fagundes Teles, que já tem mais de um milhão de assinaturas.
Pobres e ricos; gente de esquerda, de centro, de direita; empresários e sindicalistas; gente de todas as cores possíveis e de todas as opções sexuais e religiosas estavam de mãos dadas – dentro e fora do território livre da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco. Esta gente toda estava irmanada pela energia da democracia.
E tudo isto começou a partir da iniciativa de seis ex-alunos – nenhum deles ligado à luta político partidária, querendo estes juristas reeditar a Carta, que foi lida de forma eletrizante no pátio por três mulheres (Maria Paula Dallari Bucci – filha do eterno Dalmo Dallari, Ana Bechara – atual vice-Diretora e a querida professora Eunice Prudente) e um homem (que esteve presente em 1977 – o ministro aposentado do Superior Tribunal Militar Flávio Bierrenbach).
Para celebrar os noventa anos da criação da Justiça Eleitoral no Brasil, assim como a posse do Presidente do TSE, Ministro Alexandre de Moraes e seu vice, Ricardo Lewandowski, cinco dias após, o evento funcionou como uma sequência ao movimento em favor da democracia na Carta aos Brasileiros e Brasileiras lida em 11 de agosto no pátio da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Mas, desta vez, com a significativa presença do presidente Jair Bolsonaro, do presidente do Senado e da Câmara. Há sintonia entre as essências do 11 e do 16 de agosto. A mesma mensagem foi transmitida ao presidente da República, candidato à reeleição, tratado de maneira muito respeitosa por Alexandre de Moraes, que o cumprimentou – eles se sentaram próximos.
Foi perceptível a circunstância de termos no TSE a presença maciça de todos os ministros do Supremo, da sociedade civil, de quatro ex-presidentes da República, de 22 governadores de Estado, dos presidentes dos Tribunais Regionais Eleitorais, Procuradores-Gerais-de Justiça e dos candidatos. Uma presença de representatividade vigorosa de mais de duas mil pessoas, que vai obviamente muito além do prestígio do empossando.
Mas também foi digno de nota que o presidente da República e seus Ministros, esposa e filho não reagiram com palmas às palavras que foram ditas de forma contundente por Moraes, enquanto a plateia aplaudia, muitas vezes de pé. A postura do presidente e dos seus comparativamente era bastante distinta. É um direito deles, mas foi sensivelmente discrepante.
Para bom entendedor, notou-se que a democracia está viva, que a cidadania está viva. E que estava dado o claro recado que não se admitirá qualquer tipo de ato de desrespeito em relação ao Estado Democrático de Direito. Todos vieram dizer a plenos pulmões: o único caminho possível nesta quadra de nossa história é o respeito irrestrito à vontade soberana do povo expressa nas urnas eletrônicas, modelo definido pelo Congresso Nacional, após debate democrático.
E quem apurará os votos será o TSE e mais ninguém, nos exatos termos previstos pela Constituição Federal. Moraes assume o tribunal com esta pré-disposição titânica no sentido de coibir as fake News, que desinformam os eleitores, e, por isto, desequilibram a disputa limpa pelo voto.
Moraes quis deixar absolutamente claro que o TSE, sob seu comando, cumprirá seu papel de forma implacável, no sentido de impedir que abusos de poder econômico ou político deturpem a correta e legítima manifestação dos eleitores, que possam desnaturar as escolhas pretendidas.
Ao longo de nosso processo histórico, muitos acontecimentos de extrema relevância social e política se sucederam sem luta, como a abolição da escravidão bem como a proclamação de nossa república em 1889, que, por incrível que pareça, não instituiu a escolha de governantes pelo voto. Eleições ocorreriam seis anos mais tarde.
São reflexões que se mostram relevantes nestes duzentos anos de independência que se completarão em breve, construída por um descendente da realeza portuguesa que se manteve nosso rei, discrepando dos processos de independência da América Espanhola.
Pois nem parecia ser possível que em tão curto espaço de tempo acontecessem dois fatos tão impactantes do ponto de vista histórico para nossa construção democrática. Tinha-se a impressão de que talvez precisássemos de um século para viver algo assim.
No breve período de cinco dias, no entanto, dois atos evidenciadores de cidadania viva, de significativo impacto, marcarão por todo o sempre nossa história como nação, como momentos de luta pela prevalência do Estado de Direito.
*Roberto Livianu, procurador de Justiça em SP, doutor em Direito pela USP, diretor de comunicação e relações institucionais do MPD, presidente do Instituto Não Aceito Corrupção e comentarista do Jornal da Cultura
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