Fernanda Fragoso* 12 Julho 2023 | 4min de leitura
A palavra compliance tem origem no idioma inglês to comply, que significa cumprir, executar, satisfazer ou realizar o que lhe foi exigido. Compliance, portanto, é estar em conformidade, é o dever de cumprir e fazer cumprir normas e regulamentações estabelecidas para a condução do negócio, sejam elas internas ou externas, bem como evitar, detectar e tratar quaisquer desvios ou não conformidades que venham a ocorrer. É um verdadeiro sistema de gestão implantado na governança das organizações.
O compliance ultrapassa a idéia de "estar em conformidade" com as leis, regulamentações e autorregulações, englobando aspectos de governança, conduta e transparência. A tendência é que se torne uma atividade consultiva e preditiva, a qual presta suporte a todos os níveis de negócio para o atingimento dos objetivos táticos e estratégicos. Esta atividade é desenvolvida considerando a missão, visão, valores, cultura e gerenciamento de riscos e por meio da implementação e manutenção do sistema de gestão e políticas de compliance.
É relevante a compreensão de que o compliance está associado ao comportamento e cultura dentro das organizações, o qual estará presente em todas as atividades, e influenciará a definição do sistema de gestão. A cultura organizacional é representada pelo conjunto de valores, regras, hábitos e crenças praticados em uma organização. Ela é exercida a partir de atitudes que devem nortear o comportamento dos colaboradores. Em outras palavras, trata-se do DNA da empresa.
A cultura de compliance refere-se à elaboração e cumprimento de normativos baseados em valores e crenças existentes na organização, e permeiam todas as estruturas dela e envolvem todas as pessoas que, com vigilância constante e comprometimento, colocam em prática as diretrizes definidas para cada área de negócio, tornando o sistema eficaz, contribuindo para um ambiente em compliance e para alcance dos objetivos da entidade.
Neste sentido, as organizações que possuem um sistema de gestão de compliance implementada no âmbito de suas governanças enfrentam normalmente uma série de desafios no dia-a-dia. A falta de cultura arraigada de prevenção e monitoramento dos riscos ocasiona uma certa resistência por parte das áreas operacionais.
O primeiro desafio que sublinho aqui, talvez o mais importante, é que os profissionais que atuarão na organização com a função de compliance tenham apoio e autonomia suficientes para trabalhar na disseminação da cultura de controles, considerando todos os fatores de riscos de conformidade e integridade. O atributo da autonomia é essencial para que se desenvolva, implemente e monitore o sistema de gestão de compliance.
Outro desafio que é comumente identificado é a falta de apoio da Alta Administração da organização. O envolvimento da liderança é fundamental para respaldar as ações de um programa de compliance, pois é ela quem disponibilizará os recursos, definirá as estratégias e se revestirá do papel de influenciadora para o restante da organização.
Quando se fala em ética e cumprimento de obrigações, é necessário criar uma cultura. Desta forma, todos precisam ter consciência sobre o seu papel em relação ao compliance na adoção de comportamentos éticos. A criação da cultura de conformidade e integridade não envolve apenas a simples adequação a leis, normas e regulamentos, mas um comprometimento ativo, visível, consistente e sustentável, por meio de uma conduta e comportamento padrão por toda a organização, apoiado e demonstrado pela liderança. Este aculturamento se mostra desafiador na prática, pois o comportamento antiético absorvido em outros contextos é enraizado e mais difícil de ser desconstruído e colocado em prática.
Outro desafio é passar credibilidade aos públicos interno e externo da organização acerca do seu canal de denúncias. Este canal é uma ferramenta que comumente é implementada para monitorar o ambiente corporativo e garantir o cumprimento das regras, normas, leis e princípios, reforçando os padrões éticos nos seus processos e nas relações internas e externas da organização. O anonimato do denunciante é imprescindível para que os agentes possam se sentir confortáveis ao denunciar, no entanto, mesmo assim, há casos em que os denunciantes hesitam em fazê-lo com medo de sofrer retaliações.
Os desafios para se implementar um sistema de gestão de compliance efetivo são muitos, pois, mais do que ter um processo que pareça estar bem estruturado e funcionando, o seu sucesso e eficácia dependem do desejo da liderança em engajar todas as pessoas no comprometimento com os objetivos de compliance, fazendo com que isto seja reconhecido interna e externamente à organização.
Os benefícios de ser e estar em compliance são muitos: redução ou eliminação de problemas com multas, sanções, processos e até mesmo interdições, por estar em desconformidade com as leis e normas estabelecidas pelos órgãos reguladores, e o fortalecimento da imagem reputacional com a consequente vantagem competitiva no mercado, prevenindo situações de riscos que podem trazer prejuízos à marca da organização.
No meu entender, quando o foco é voltado para a compreensão dos benefícios da mudança cultural demandada quando da implantação de um sistema de gestão de compliance, muitos desafios são superados.
*Fernanda Fragoso é advogada corporativa e criminal, especialista em Riscos e Compliance, mestre e doutoranda em Ciências Jurídicas pela Universidade Autónoma de Lisboa - UAL, auditora Líder ISO 37001 e 37301 Sistema de Gestão Antissuborno e Compliance. Atualmente é analista de Compliance na Fundação REFER
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Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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