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  • tayane16

Direito à saúde e à ética – reflexões sobre nossos acertos e erros durante a pandemia


Há pouco mais de um ano, fomos impactados pelas primeiras notícias sobre um novo vírus que, de forma inesperada, surgiu na distante cidade de Wuhan, na China. De lá, alastrou-se pelo restante da Ásia, chegando à Europa, para finalmente se tornar a grande ameaça mundial desta segunda década do Século XXI.


Por mais que tivéssemos experiência em lidar com as pandemias anteriores – MERS-CoV, H1N1, tudo se mostrou diferente quando se tratou do SARS-CoV-2. O vírus, tratados por alguns como uma “gripezinha”, ou por outros como o “apocalipse”, mostrou-se implacável e feroz no seu ataque – inicialmente atingiu apenas grupos de vulneráveis e, mais recentemente, de forma muito mais rápida, a todas as faixas etárias – inclusive jovens. E cada indivíduo com uma resposta diferente…


Percebeu-se que a guerra contra o COVID-19 não seria feita de apenas uma batalha, mas sim de várias. E assim tem sido. A cada dia, a cada semana, uma surpresa nova. É o vírus se renovando através de suas variantes, como a P1, B.1.351 ou B.1.1.7 – de Manaus, África do Sul ou Reino Unido – muitas ainda aparecerão enquanto estivermos distantes da imunidade de rebanho!


O fato é que o mundo se deparou com várias contradições. Ao mesmo tempo em que precisaríamos todos nos unirmos em uma única luta contra um vírus, tínhamos de nos isolar em nossos cantos, interrompendo fluxos consolidados de comércio ou viagens, a ponto de chegarmos em uma situação de lockdown!


Mas será que fizemos tudo o que era possível? Seguramente não! Uma rápida visualização dos dados disponíveis no Painel Coronavírus do Ministério da Saúde (covid.saude.gov.br) comprovará isto! Com mais de 12.573.615 casos confirmados de infecção pelo SARS-CoV-2, tendo acumulado mais de 313.866 óbitos até a presente data, seguramente percebemos que não fizemos tudo o que poderíamos…


Porém, em uma breve retrospectiva, podemos ver vários acertos. Alguns deles merecem grande destaque, como por exemplo, a decisão de abrir o genoma do vírus tão logo ele foi descoberto. Ao fazer isto, os cientistas asiáticos (chineses e coreanos) permitiram o desenvolvimento, inicialmente em laboratório, dos testes moleculares para detecção do vírus (os chamados testes “in house”). Este foi um passo fundamental para que a indústria de diagnóstico fizesse um esforço hercúleo para, em pouco tempo, tornar este teste molecular um produto comercial e, a partir daí, usar seus conhecimentos e tecnologias para trazer outros produtos ao mercado – testes rápidos de anticorpo, bem como por outras metodologias – ELISA, eletroquimioluminescência, fluorimetria, por exemplo. Até chegar a testes para detecção do antígeno – opção rápida para detectar se o vírus está circulando no organismo do paciente a ponto de produzir este tipo de proteína – seja pelo swab nasal ou até mesmo por saliva.


Neste sentido, o Brasil percebeu que precisaria agir rápido e, ainda em março de 2020, criou uma série de regras que permitiram o acesso mais rápido, mesmo que de forma temporária, aos novos produtos que estavam sendo desenvolvidos naquele momento. A Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária, assim que provocada pela CBDL – Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial, publicou regras para um registro temporário (RDC 348/20) e para certificações de boas práticas (RDC 346/20) mais aceleradas, usando instrumentos regulatórios modernos, como o “reliance”, por exemplo. Ou seja, rapidamente se permitiu o acesso. Mas, vale destacar, sob um olhar atento e cuidadoso do que estava sendo exposto a consumo e aproveitando-se do conhecimento acumulado por outras entidades regulatórias de igual rigor.


Ao mesmo tempo, também em um esforço da Sociedade Civil organizada, um consórcio formado rapidamente pela Sociedade de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), de Análises Clínicas (SBAC), da Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) e CBDL, organizou uma rede de 13 laboratórios públicos e privados que puderam dar ao mercado uma ideia de performance da vida real – com amostras de pacientes brasileiros – para os produtos que estavam sendo lançados. Assim, o Programa de Avaliação de Kits de Coronavírus (www.testecovid19.org), exerceu um papel especial ao dar informações aos compradores de tais produtos, aos próprios fabricantes (para um processo de melhoria contínua) e até mesmo à Anvisa, como dados de vigilância pós-mercado.


Procurou-se dar apoio a iniciativas de testagem em massa. Nesta direção, a expectativa de aquisição de 46 milhões de testes pelo Ministério da Saúde (dos quais metade seria de biologia molecular e o restante de testes rápidos) fazia todo o sentido para criar-se um mapa epidemiológico do que estava acontecendo e assim decidir, de forma bem embasada, que ações de saúde pública deveriam ser adotadas. Aliado a isto, os testes, normalmente feitos nos mais de 6 mil hospitais e 18 mil laboratórios, deveriam complementar este grande esforço. Todavia, percebeu-se logo de início que não seria assim. O Ministério, com tantas trocas de ministros em tão pouco tempo, acabou não conseguindo fazer o seu papel e comprou menos de 12 milhões de testes – dos quais, boa parte nem chegou a usar e, por isto, correm o risco de vencer em seus estoques! Mas, a Anvisa, ao permitir, através da RDC 377/20, ampliar-se o espaço de testagem usando toda uma estrutura de até 88 mil farmácias espalhadas pelo Brasil todo para chegar àquele cidadão invisível ao sistema de saúde, nos rincões deste País, possibilitou agregarmos mais de 4,7 milhões de testes com informações importantíssimas sobre onde estavam as áreas “quentes” da pandemia!


Não obstante todo o esforço empreendido, o Brasil é um país que testou muito aquém do que deveria! Não fizemos o controle epidemiológico como deveríamos e, como consequência, a pandemia se alastrou rapidamente por todo o território nacional – ainda mais depois da presença da variante P1! Se tivéssemos seguido as recomendações de testagem em massa, seguramente teríamos outro cenário muito mais sob controle – seria a ciência em favor da vida e da economia, como comprova o artigo de Larremore et al: “Test sensitivity is secondary to frequency and turnaround time for COVID-19 screening” (https://advances.sciencemag.org/content/7/1/eabd5393 )


A lista de erros, infelizmente, é enorme. Começa pela excessiva politização da questão – ao invés de usarmos os conhecimentos científicos e experiências prévias, fomos para a disputa entre União e Estados. Executivo x Legislativo x Judiciário… E isto, sem falar dos casos de desvios de produtos, corrupção envolvendo aquisições emergenciais e desperdício de recursos escassos… O fato é que ações de saúde pública, para serem efetivas em um país continental como o nosso, precisam ter acesso à informação centralizada e apoio nas pontas para poder implementar as políticas de forma integrada…


Assim, embora vivamos um caos e momentos de desesperança, não podemos esmorecer. A perseverança tem de ser o lema para todos nós. Temos de continuar em busca das soluções, através de atitudes éticas, com o uso da ciência e da sabedoria em podermos compartilhar os legados que estão sendo gerados – entre nós todos e para as futuras gerações!


*Carlos Eduardo Gouvêa, presidente executivo da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL). Relações Institucionais do Instituto Ética Saúde (IES).

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