07/03/2023 às 11:19
Sistema pode ser um importante aliado para a regulamentação do lobby, tema que passará a ser debatido pelo Senado em 2023 | Unsplash
*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).
O decreto 10.889/21 instituiu o Sistema Eletrônico de Agendas do Poder Executivo federal (E-agendas). De uso obrigatório para todos os órgãos e entidades da administração pública federal direta, autárquica e fundacional, tal sistema concentra informações sobre compromissos públicos, presentes recebidos, hospitalidades recebidas em representação institucional, inclusive em viagens de ministros de Estado; agentes públicos de natureza especial ou equivalentes; presidentes, vice-presidentes e diretores, ou equivalentes, de autarquias, fundações públicas, empresas públicas ou sociedades de economia mista e agentes públicos designados como Grupo - Direção e Assessoramento Superiores -- DAS, níveis 6 e 5 ou equivalentes.
O E-agendas possui um grande potencial para aumentar a transparência e fomentar o accountability no Brasil contribuindo para coibir a corrupção e para diminuir a desigualdade de forças entre grupos de interesse poderosos e setores da sociedade menos organizados e com menos recursos.
O fortalecimento da democracia é um efeito colateral da combinação desses dois fatores. Isso porque, com o E-agendas, que entrou em operação em outubro de 2022, os cidadãos terão acesso a informações sobre os meandros do processo decisório, pois como dito anteriormente, o decreto 10.889/21 obriga os agentes públicos federais a registrar todos os seus compromissos públicos (presencial ou não, dentro ou fora do local de trabalho) e sua participação em audiências (com ou sem agendamento prévio).
Apesar de restringir-se ao Poder Executivo Federal, o acesso a essas informações constitui-se em um avanço considerável rumo à maior transparência na relação entre o poder público e privado. Sendo assim, o E-agendas torna-se uma ferramenta essencial para instrumentalizar a transparência entre agentes públicos e privados.
Esse sistema pode ser um importante aliado para a regulamentação do lobby, tema que passará a ser debatido pelo Senado em 2023, uma vez que a Câmara dos Deputados aprovou o PL 1202/07 em dezembro de 2022.
O lobby está envolto por um forte estigma de marginalidade, apesar de ser compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo quando são levados em consideração os direitos expressos no artigo 5º. de nossa Constituição Federal, a atividade de lobby tem sido associada predominantemente a crimes contra a administração pública, como corrupção, tráfico de influência e licitações direcionadas.
Assim como é impossível ignorar a existência de tais práticas ilegais, associar a atividade de lobby exclusivamente à defesa ilícita de interesses é inadequado, haja vista que existem também contribuições positivas.
Entre elas, pode-se destacar: (i) mais informações sobre os temas da pauta decisória; (ii) visão mais completa sobre os problemas coletivos; (iii) maior proximidade entre as preferências dos grupos de interesse em ação e o resultado da decisão e, (iv) maior legitimidade da decisão, em função da abertura do processo decisório à participação da sociedade civil.
Com as informações coletadas, sistematizadas e disponíveis pelo E-agendas, o desequilíbrio de poder entre os grupos de interesse durante o processo decisório poderá diminuir, o que pode contribuir para que a concessão de benefícios desproporcionais e/ou injustificáveis para os grupos de interesse que possuem mais e/ou melhores recursos políticos ocorra.
O E-agendas fornece uma série de informações relevantes para visualização e consulta em transparência ativa e em formato aberto, entre elas: assunto, local, data, horário e a lista de participantes do compromisso público. Quando se tratar de participação em audiências, acrescenta-se a lista acima, a identificação dos representantes de interesses (próprios ou de terceiros) e a descrição dos interesses representados.
Com isso, uma parte do que se espera que a regulamentação do lobby propicie, já ocorre, ou seja, tornar pública a relação entre lobistas (agentes privados) e tomadores de decisão (agentes públicos).
O E-agendas tem grande potencial de fomentar a publicidade, o que torna o processo decisório possível de ser escrutinado detalhadamente e aumenta o conhecimento dos atores sociais sobre a forma como o poder Executivo federal toma decisões.
Porém, a mídia nos alertou, no início de fevereiro, que 09 dos 37 ministros do novo governo ainda não haviam divulgado suas agendas diárias, apesar dos esforços da CGU (Controladoria Geral da União) em oferecer treinamento e capacitação para o uso do sistema.
Como o decreto 10.889/21 não faz alusão a penalidades para aqueles que não divulgarem a agenda e/ou realizarem o registro dos compromissos públicos e participação em audiências, caberá aos cidadãos e a mídia fiscalizar sua utilização? Como a CGU (Controladoria-Geral da União) atuará para aumentar o enforcement? Afinal, não podemos correr o risco de ver um avanço tão importante ter seu impacto diminuído.
*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).
É cientista política, doutora pela Unicamp. Coordenadora do MBA em Relações Governamentais e do curso de curta duração "Advocacy e Políticas Públicas" da FGV/IDE. Coordenadora do GT Transparência e Integridade da Rede Advocacy Colaborativo (RAC). Diretora executiva da Gozetto & Associados Consultoria Estratégica.
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