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Governança pública e politização das estatais: um conflito de paradigmas

Recentemente causou alvoroço no mercado de capitais o discurso de candidato à Presidência da República, o qual se mostrou incomodado com os resultados financeiros apresentado por uma das Estatais, mais especificamente o Banco do Brasil. Fazendo uso de uma retórica populista, o aludido candidato apregoava que os ótimos resultados financeiros eram em alguma medida contrários ao interesse público, de modo que a referida estatal deveria se aproximar mais de um modelo público, aparteando-se de um modelo privado orientado à percepção de lucros.


A difusão de tal percepção, em alguma medida comum para certos setores ideológicos, a bem da verdade conflita com o modelo de governança pública estabelecido pela Lei das Estatais e, bem assim, com a própria função e finalidade das estatais, que historicamente foram usadas como moeda de troca política, por meio de loteamento dos cargos ali existentes, além de terem seus recursos tradicionalmente parasitados para finalidades bem distantes do interesse público.


De todo modo, ainda que a retórica não conflitasse com a realidade histórica e tivesse por escopo apenas questionar o modelo de organização social e persecução das finalidades estatutárias, ainda assim careceria de substrato jurídico que lhe legitimasse.


Com efeito, antes mesmo da edição de diplomas legais específicos tratando direta ou indiretamente de mecanismos de compliance na esfera pública, o fato é que o próprio modelo constitucional da Administração Pública já traz em seu bojo inúmeros dispositivos indicativos do compromisso com um modelo de governança.


Nessa linha, a própria base principiológica que sustenta a Administração, com a diretriz de moralidade e impessoalidade que lhe é inerente, as regras que determinam a realização de concursos públicos e licitações, e bem assim a consagração de um modelo de vedações a agentes públicos por incompatibilidades decorrentes de eventuais conflitos de interesse, são elementos que consagram um estatuto jurídico compromissário com tal ideário.


Reafirmando tal compromisso, a Lei nº 13.303/16 trouxe disposições afinadas com o ideário de governança pública enquanto prática administrativa vetorial das empresas estatais. A referida legislação tem por escopo regrar o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias, abrangendo toda e qualquer empresa pública e sociedade de economia mista da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios voltada à exploração de atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, ainda que a atividade econômica esteja sujeita ao regime de monopólio da União ou seja de prestação de serviços públicos.


A propósito do tema, cumpre ver que o uso clientelístico e populista das estatais para a persecução de interesses desalinhados dos seus objetivos sociais para o atendimento de demandas a eles estranhas configura abuso de poder passível de imposição de responsabilização ao controlador.


Nesse contexto, o art.15 da Lei das Estatais apregoa a responsabilidade do acionista controlador acaso praticados atos com abuso de poder, hipótese em que poderá ser acionado pela própria sociedade, pelo terceiro prejudicado ou pelos demais sócios, independentemente de autorização da assembleia-geral de acionistas, fato aliás que já se configurou em relação à Petrobrás, que acionada no exterior foi obrigada a reparar os milionários prejuízos que causou aos acionistas minoritários, conta essa cuja fatura foi posta à mesa do contribuinte brasileiro.


Impende assinalar, nesse diapasão, que os atos praticados com abuso de poder são aqueles previstos no art.117 da Lei das Sociedades Anônimas, destacando-se a orientação da companhia para fins estranhos ao seu objeto social, ao interesse nacional ou que gere favorecimento a outra sociedade em detrimento dos acionistas minoritários.


Também são capitulados como abusivos atos de promoção da liquidação de companhia próspera, sua transformação, fusão ou cisão com o objetivo de obtenção de vantagem indevida em prejuízo dos demais acionistas, a promoção de alterações estatutárias com o mesmo objetivo, a eleição de administradores ou fiscais ineptos ou a indução destes à prática de atos com fins ilegais, bem como a aprovação de contas irregulares ou a omissão de providências em casos de suspeitas de irregularidades.


Extrai-se do referido rol, pois, que a maior parte dos atos abusivos diz com a gestão temerária da sociedade em situações configuradoras de conflitos de interesse por meio da qual o acionista controlador faz seu interesse imediato sobrepujar os melhores interesses na condução da companhia.


É passada a hora, portanto, de serem superados vetustos paradigmas, garantindo-se a perpetuidade de um modelo de governança pública que atenda de forma convergente os interesses públicos primários e secundários, os quais evidentemente devem se alinhar aos interesses dos acionistas, sejam eles majoritários ou minoritários.


*Leonardo Bellini de Castro, promotor de Justiça – MPSP. Mestre em Direito pela USP


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção



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