- tayane16
Honestidade: de diferencial a pré-requisito
Atualizado: 20 de ago. de 2021
Luiz Alberto Machado

Em minha primeira contribuição para esta coluna do Instituto Não Aceito Corrupção
vou recorrer ao argumento central de um artigo escrito em meados da década de 1990 e
a um fato ocorrido mais ou menos na mesma época com o objetivo de estabelecer um
paralelo com o processo – se não de eliminação, pelo menos – de redução da corrupção
ainda existente no Brasil.
O referido artigo tinha por título Qualidade, de diferencial a pré-requisito. Nele,
examinei alguns desafios que se impunham ao Brasil nos planos macro e
microeconômicos depois de muito tempo como um país extremamente fechado e com
níveis de inflação inaceitáveis em países civilizados.
Argumentei, na ocasião, que no plano macroeconômico o Brasil enfrentava um duplo
desafio: num plano mais abrangente, a exemplo de todos os outros países, fazer a
transição rumo a uma economia globalizada; num plano mais localizado, a transição da
instabilidade para a estabilidade.
Mais de duas décadas depois, não se pode negar que a estabilidade foi uma conquista
memorável. Considerando-se que o cenário dos anos 1980 e início dos 1990 combinava,
em doses variáveis, estagnação, elevada inflação crônica e forte pressão das dívidas –
interna e externa – seria difícil imaginar uma transição tão rápida para a estabilidade.
Tal fato torna-se ainda mais relevante se lembrarmos que a segunda metade da década
de 1980 foi marcada por uma sucessão de planos de estabilização mal sucedidos, o que
deixou como herança uma sociedade frustrada e desiludida.
Saindo do plano macro e ingressando mais no microeconômico, ressaltei um aspecto
fundamental em termos de estratégia de marketing empresarial, à época ainda não
percebido por muitas empresas que continuavam se utilizando de um discurso cada vez mais obsoleto. Quando, cada vez mais, as empresas precisavam estar aptas a oferecerem
bens e serviços capazes de encantar o consumidor, muitas continuavam operando com o
pensamento de que a palavra qualidade ainda se constituía no objetivo máximo a ser
alcançado. Isto, na verdade, já se tornara coisa do passado. No mundo globalizado, os
padrões de qualidade são uniformizados e os bens e serviços são classificados de acordo
com padrões internacionais. Assim, qualidade havia deixado de ser diferencial e havia
passado a ser pré-requisito. Sem padrões internacionais de qualidade, as empresas não
podiam sequer participar do cada vez mais seletivo comércio internacional. E a palavra
que tomou o lugar da qualidade como fator diferencial foi a palavra encantamento, ou
seja, o objetivo das empresas passa a ser o fornecimento de bens ou serviços que vão
além das expectativas dos consumidores. Daí a importância crescente da criatividade,
pois é através da inovação que muitas empresas têm conseguido surpreender e encantar
os consumidores, oferecendo-lhes algo que supera suas próprias expectativas.
É bem verdade que a liderança assim conquistada passou a não durar muito tempo, pois,
graças ao benchmarking, as concorrentes logo se colocavam em pé de igualdade. Mas
esse já seria assunto para outro artigo...
O fato teve lugar num think tank com o qual colaborei por muitos anos. Uma das
atividades desenvolvidas por esse think tank relacionava-se à produção editorial: livros,
folhetos e artigos dirigidos, essencialmente, a formadores de opinião.
Numa das reuniões do conselho editorial, a pauta versava sobre as características de um
candidato ideal a partir da perspectiva liberal. Os participantes da reunião foram
apresentando as propostas de características que consideravam marcantes para serem
incluídas no texto quando alguém sugeriu a palavra “honesto”. Imediatamente, fiz
objeção á inclusão daquela característica por considerar que “honestidade” não era uma
exigência exclusiva de um candidato liberal, mas um pré-requisito necessário a qualquer
postulante de um cargo eletivo.
Fui voto vencido, uma vez que embora os outros integrantes do conselho concordassem
comigo, a realidade brasileira mostrava que era preciso insistir – e muito – nessa tecla,
em razão do grande número de pessoas com elevados indícios de corrupção e falta de
ética não apenas pleiteando candidaturas nos diversos partidos, mas também exercendo
cargos principalmente nos âmbitos legislativo e executivo.
Feitas essas considerações, constato que se a estabilidade econômica se tornou um valor
consolidado, a ponto de ser um compromisso assumido por políticos das mais variadas
colorações partidária e se a busca pelo aperfeiçoamento contínuo tornou-se uma prática
comum às empresas de ponta do País, na busca do encantamento e fidelização de seus
clientes, o mesmo não se pode dizer a respeito da honestidade como padrão de
referência de nossos políticos. O volume de desmandos, negociatas e malversação de
recursos públicos noticiados diariamente envolvendo ocupantes de cargos em nível
municipal, estadual e federal revelam que a população ainda se encontra longe de
colocar a honestidade como pré-requisito na hora de fazer a escolha de seus candidatos.
Talvez minha expectativa seja ingênua. Mas minha esperança é que com (i) a melhora –
lenta, é verdade – no nível da nossa educação, (ii) a ação contundente da nossa imprensa
investigativa e (iii) a própria pressão das redes sociais, ocorra a conscientização
progressiva da população no sentido de deixar de considerar a honestidade um
diferencial para transformá-la num pré-requisito nos futuros processos eleitorais.