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Impactos em relação a medidas de conformidade após eleições do Reino Unido

Quais são as previsões e expectativas em relação às medidas do novo governo liderado agora Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista britânico

 

Fernanda Fischer

 

* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.

 

Recentemente, Keir Starmer, líder do Partido Trabalhista britânico e até então líder da oposição, foi nomeado novo Primeiro-Ministro do Reino Unido. Starmer, cuja nomeação encerra 14 anos de domínio do partido conservador, terá também maioria no Parlamento, o que não acontecia desde que Tony Blair era o Primeiro-Ministro, há mais de 15 anos.

 

Tal alteração no cenário político britânico traz expectativas de eventuais transformações no cenário de compliance do Reino Unido, que devem impactar não só o ambiente local, mas diversos outros países ao redor do mundo, incluindo o Brasil.

 

Diante disso, a advogada Fernanda Casagrande, sócia do escritório HNaves Advogados no Grupo de Compliance, Gestão de Riscos e Investigações, conversou com o advogado Jonathan Armstrong, sócio da prática de Compliance da consultoria Punter Southall no Reino Unido, acerca das possíveis alterações futuras.

 

Ainda pendente a definição oficial da agenda do governo, Jonathan comenta sobre previsões e expectativas em relação às medidas do novo governo, com base no histórico do novo primeiro-ministro e das pautas defendidas pelo partido.

 

Entre diversos tópicos abordados por ele, abaixo dispostos no presente artigo, estão eventuais mudanças no tratamento de questões sensíveis, como combate à corrupção e a efetiva aplicação de leis correlatas, e regulamentações sobre temas muito discutidos, como uso de inteligência artificial, privacidade de dados e o direito à desconexão nas relações trabalhistas.

 

Fortalecimento da agenda anticorrupção e combate à criminalidade corporativa

 

A aprovação do Bribery Act (Ato Anticorrupção) nos últimos dias do governo de Gordon Brown, em 2010, foi considerada um dos maiores feitos do último mandato do Partido Trabalhista. No entanto, a sua aplicação começou apenas no mandato seguinte.

 

Agora, o novo governo tem a chance de mostrar um trabalho voltado à agenda anticorrupção e de combate à criminalidade, considerando, ainda, o conhecimento de Keir Starmer do sistema de justiça criminal, já que ele liderou o Serviço de Procuradoria da Coroa (CPS).

 

O Partido Trabalhista já se comprometeu a analisar os contratos do último governo, principalmente na aquisição de EPIs (Equipamento de Proteção Individual) durante a pandemia, para verificar possíveis casos de corrupção.

 

Para tanto, o Primeiro-Ministro propôs um novo Comissário de Corrupção da COVID especificamente encarregado de analisar £7,2 bilhões em contratos que causaram preocupação.

 

O Partido Trabalhista também fez compromissos para aumentar o policiamento e combater a criminalidade, além de reduzir o acúmulo de processos judiciais e aprimorar o sistema carcerário, liberando recursos para o trabalho de persecução criminal e maior aplicação das leis relacionadas, como a lei antifraude recentemente promulgada.

 

O governo poderá ter ajuda do novo Diretor do SFO (Serious Fraud Office), autoridade responsável pela aplicação do Bribery Act, Nick Ephgrave, que está no cargo desde setembro de 2023 e parece interessado em mudanças, com novas investigações, incluindo medidas persecutórias como buscas e apreensões.

 

Regulamentação do uso de inteligência artificial (IA)

 

Embora a Lei de IA da União Europeia busque regulamentar a inteligência artificial por meio de um novo regime jurídico, o último governo do Reino Unido favoreceu a autorregulamentação.

 

Essa abordagem irá mudar, pois o Primeiro-Ministro planeja criar um Escritório de Inovação Regulatória que analisará os desafios da inteligência artificial e apoiará os órgãos reguladores existentes para diretrizes concretas.

 

Podemos esperar uma legislação específica, que pode ser uma versão simplificada da Lei de IA da União Europeia, ainda mais considerando a maioria trabalhista do parlamento.

 

O Primeiro-Ministro também planeja criar uma biblioteca nacional de dados que possa ser usada para dar suporte a aplicativos de inteligência artificial, que poderia se assemelhar ao Rail Data Marketplace criado no último governo para facilitar e assegurar o compartilhamento seguro de dados da indústria ferroviária.

 

Regulamentação em relação à proteção de dados

 

A proposta de Lei de Proteção de Dados e Informações Digitais não avançou no governo anterior, muito em razão da oposição trabalhista a alguns aspectos do projeto de lei.

 

É provável que a proposta de lei seja modificada, removendo algumas de suas disposições mais controversas, demonstrando mais cautela em relação à adequação do Reino Unido à GDPR (Lei de Proteção de Dados da União Europeia), como o relaxamento de alguns aspectos da GDPR para pesquisa e inovação, especialmente em uma tentativa de melhorar o sistema britânico de saúde.

 

Transparência no setor público

 

O Partido Trabalhista propôs a chamada Lei de Hillsborough com um novo dever de franqueza para os funcionários públicos.

 

Além disso, embora não seja um compromisso do manifesto, pode haver uma extensão do regime de Liberdade de Informação (FOI) para entidades do setor privado que trabalham para o setor público.

 

Comércio e alfândega

 

Em linha com a política da União Europeia, o Partido Trabalhista tem um compromisso no manifesto de revisar as barreiras comerciais e membros do gabinete de Sir Keir também defendem o uso da legislação existente para examinar mais de perto a origem dos produtos, principalmente os produtos fabricados em supostas condições de escravidão na Região Autônoma de Xinjiang Uygur (XUAR).

 

Ações mais rígidas em relação à XUAR também podem ser politicamente convenientes para um governo trabalhista que deseja tirar lições de uma suposta falta de apoio aos interesses muçulmanos em alguns círculos eleitorais.

 

Direitos trabalhistas

O Partido Trabalhista provavelmente desejará revisar o regime existente de direito do trabalho nos seus primeiros 100 dias de governo.

 

Apesar de ser improvável que novas diretrizes sejam tão rígidas e rapidamente promulgadas quanto aquelas propostas em algumas partes da Europa, espera-se algum tipo de proposta que incentive empregadores e funcionários a entrarem em acordo sobre o horário de trabalho, proibições de e-mails nos fins de semana e outras medidas que fortaleçam o direito à desconexão (evitando a conexão constante dos funcionários com o trabalho diante do trabalho remoto), visto que Keir Starmer é conhecido por ser adepto do equilíbrio entre vida pessoal e vida profissional.

 

Caso tais alterações sejam de fato efetivadas pelo novo governo, todas as empresas que possuam atuação global, incluindo brasileiras, sentirão os impactos em seus negócios e precisarão estar atentas às novidades e atualizações necessárias. Além disso, um novo cenário britânico poderia revelar tendências no tratamento dos respectivos temas para o restante do mundo.

 

*Texto sob coautoria de Jonathan Armstrong é advogado, sócio do escritório Punter Southall em Londres, líder da prática de Compliance e Tecnologia. É professor em international compliance no curso de pós-graduação da Fordham Law School. Sua experiência professional inclui assistência especializada em gestão de riscos e compliance a empresas multinacionais. Jonathan oferece consultoria jurídica em mais de 60 países, cobrindo uma ampla gama de assuntos relacionados à compliance. Jonathan, ainda, é reconhecido como especialista em inteligência artificial e atualmente faz parte da New York State Bar Association, analisando impactos da inteligência artificial no cenário jurídico.

 

* Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Este artigo reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do CEID e INAC. Os artigos têm publicação semanal.

 

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