Uma reflexão a partir da reação cívica ao projeto de reforma que busca limitar as competências da Suprema Corte de Israel
Por Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho
14/08/2023 | 05h00
Após alguns meses volto a compartilhar minhas inquietações sobre Estado de Direito e combate à corrupção neste espaço. Desde a minha última intervenção (02/01/23), houve notícias boas e ruins no que se refere ao fortalecimento das nossas instituições em prol do ideal do exercício do Poder pautado por leis e não pelos interesses pessoais de quem ocupa cargos públicos.
A melhor delas, e até mesmo pressuposta para que continuássemos a considerar nosso Estado como um "Estado de Direito", é que o resultado das eleições de 2022 foi respeitado e houve a posse do governo que foi escolhido pela população em uma eleição livre e justa (assim considerada por ter sido conduzida por um Judiciário independente do jogo de forças políticas que disputaram a preferência do eleitor).
Um pouco estranho comemorar o que até pouco tempo atrás sequer seria uma dúvida entre nós.
Nada obstante, a demonstrar que a vigilância permanente dos cidadãos é um custo inescapável para que possamos continuar a sonhar com as liberdades que nos são prometidas em uma democracia, até a possibilidade de ruptura institucional virou tema objeto de aceso debate em nosso país, inclusive com verniz jurídico que lhe foi emprestado por estudiosos que colocaram seu conhecimento a serviço desse projeto de verdadeiro suicídio constitucional.
Superada essa grave crise, não sem termos que lidar com um anunciado (mas incrivelmente não evitado) 8 de janeiro, resta saber o que apreendemos para evitar novas turbulências como as que vivenciamos na nossa experiência política recente.
Aparentemente não o suficiente.
Como sabemos um dos principais argumentos que ajudaram a nutrir a chama do golpismo no coração e mente de milhares de brasileiros durante o ano de 2022 foi uma suposta "partidarização" da nossa Suprema Corte.
Tal Tribunal, formado por uma maioria de ministros indicados por governos de esquerda, estaria criando obstáculos indevidos a um governo de direita.
Embora um dos ministros eleitos como alvo preferencial da campanha anti-institucional tenha sido nomeado por um governo que poderíamos chamar de direita, isso seria apenas um detalhe....suas decisões seriam arbitrárias, imperiais, ilegítimas enfim.
Enquanto estratégia para manutenção do Poder não se pode recusar a engenhosidade da formulação.
Se a intenção de determinado grupo político é não observar o resultado de uma eleição, buscar minar a credibilidade junto à opinião pública do órgão que atesta sua regularidade, no nosso caso o Judiciário, seria um importante passo nessa caminhada.
Imaginando que o argumento de partidarização do Judiciário não vai simplesmente desaparecer da disputa política em nosso país, é relevante saber o que pode ser feito para fortalecer sua institucionalidade, reforçando o caráter neutro e técnico de suas decisões.
Nada obstante nem todos os movimentos do novo governo estão em consonância com essa preocupação.
Um Judiciário independente, apesar de um dos pilares do que no ocidente se entende como um Estado de Direito, pode frear iniciativas populistas de líderes carismáticos. A própria pauta do combate à corrupção pode não interessar a determinadas forças políticas ou só lhes interessar se a aplicação da letra fria da lei se der contra seus opositores (mas não em detrimento dos seus correligionários).
Para a população, interessa um Judiciário independente?
Ao menos em Israel vemos um forte movimento cívico no sentido que sim.
Quando estávamos por concluir o presente capítulo que anuncia mais uma série de reflexões sobre o papel do Direito no combate à corrupção, eis que surge a notícia de que o Parlamento de Israel, por 64 votos a zero (a oposição deixou o plenário quando da respectiva deliberação), aprovou um controverso projeto de lei que, dentre outras medidas, pretende impedir que a Suprema Corte daquele país anule legislação sob o argumento de falta de razoabilidade/proporcionalidade.
Qual cenário se avizinha?
Parece inevitável que o tema seja judicializado em Israel e, vejam só, que o seu Judiciário seja chamado a responder se a lei que limita suas competências vale ou não.
Se essa hipótese se concretizar, o que veremos?
A Corte Constitucional terá uma atitude de autocontenção, aceitando uma limitação que pode reduzir drasticamente sua capacidade institucional de se colocar como uma eficiente guardiã de direitos humanos ou oferecerá resistência à investida que ora lhe é feita? Se oferecer resistência, esta será dura ou suave?
O enredo, como é intuitivo, não é impossível de se repetir em outras democracias ocidentais, do que fundamental buscarmos extrair lições dessa experiência.
Vamos discutir o fenômeno nas nossas próximas contribuições nesta coluna.
(continua...)
* * *
Em momento no qual o país discute uma ampla reforma tributária, e no qual, mais uma vez, vemos em desfile uma série de atores econômicos e/ou políticos influentes disputando para obter tratamento diferenciado por parte do nosso legislador no que, ao menos em tese, deveria valer para todos (ou na maior medida possível para todos), lançamos uma pergunta: o Fisco brasileiro conseguirá autorização do Parlamento para tributar doações ou heranças obtidas de brasileiros domiciliados no exterior? O país já vivenciou reformas constitucionais grandiosas, que se opuseram a interesses bastantes organizados que costumam se fazer ouvir junto aos nossos representantes eleitos, mas essa medida aparentemente simples, que na Constituição de 1988 só dependia de lei complementar (vide art. 155, §1º, III da Constituição), passados 30 anos ainda não conseguiu ser implantada...
*Alexandre Jorge Carneiro da Cunha Filho, doutor e mestre em Direito do Estado, professor da Escola Paulista da Magistratura e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo e juiz de Direito em São Paulo
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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