Roberto Livianu 07 Maio 2024
O governo federal reconheceu estado de calamidade em 336 (do total de 497) municípios do Rio Grande do Sul. Ou seja, quase 68% dos municípios gaúchos vivem essa situação calamitosa e dramática. Essa decisão é correta do ponto de vista administrativo, pois remove obstáculos burocráticos.
Serve para que esses municípios solicitem e sejam enviados a eles recursos da União visando às ações emergenciais em diversos setores, como o de desobstrução de vias, remoção de escombros, serviços de engenharia, drenagem de águas pluviais, limpeza das cidades, abastecimento de água potável e transporte coletivo.
A título comparativo, por ocasião da pandemia de covid-19, também tivemos a Lei Geral da Pandemia que trouxe essa flexibilização das normas visando a salvar vidas e proteger pessoas. Mas precisamos também ter presente o risco inerente a esse afrouxamento de regras, de termos a prática de graves atos de corrupção. Não sejamos ingênuos: é necessário exigir prestação de contas ampla dessas contratações e atenção redobrada por parte dos Tribunais de Contas e Ministérios Públicos.
Na semana passada, tornou-se público o caso do ministro ucraniano preso pela prática de atos graves de corrupção cometidos em plena guerra, a qual já dura mais de 2 anos naquele país, com mais de 30.000 mortos. As circunstâncias extremamente dramáticas não inibem os corruptos: da mesma forma que a ocasião faz o ladrão, a ocasião faz também o ato de corrupção.
Merece destaque positivo e aplauso a presença in loco dos presidentes da República, do da Câmara e do Senado e do vice-presidente do Supremo Tribunal Federal no Rio Grande do Sul, sinalizando para a sociedade a preocupação com o drama vivido pelos gaúchos e a busca integrada por soluções. Isso evidencia empatia e transmite solidariedade à sofrida população nesse momento dramático de suas vidas.
Muitas pessoas em todo o país estão comovidas e procuram se solidarizar. Vê-se a imagem do governador consternado. Mesmo assim muitas perguntas ficam no ar, tendo em vista que chuvas em tempos quentes são fatos previsíveis, especialmente por ser o Brasil um país tropical. Acrescente-se o fato de que naquela região ocorreu tragédia parecida (em menores proporções) há 1 semestre.
Em setembro de 2023, a MetSul, entidade meteorológica do Rio Grande do Sul, reportou que as chuvas extremas que atingiram a região foram previstas e alertadas a autoridades do Estado, que teriam desconsiderado os alertas. A organização rebateu as declarações do governador Eduardo Leite de que os modelos matemáticos de previsão dos institutos meteorológicos não teriam indicado o volume de chuva que atingiu o Estado à época.
Segundo a MetSul, a declaração do governador não tinha procedência. “A MetSul Meteorologia foi o único ente de previsão do tempo a advertir para a possibilidade de volumes de chuva acima de 300 mm na metade norte gaúcha no começo de setembro”, escreveu em nota. “A gravidade do que avizinhava já era conhecida muitos dias antes. A ciência meteorológica cumpriu o seu papel”, afirmava outro trecho.
A desconsideração de alertas meteorológicos sugere um despreparo administrativo na gestão dos momentos de crise. Qual o conjunto de medidas tomadas pelo governo desde a última tragédia para prevenir situações semelhantes? Qual o plano estratégico para minimizar os danos dessas tragédias? Qual a estratégia ambiental e climática adotada? A sociedade foi envolvida adequadamente nessa discussão?
Por outro lado, temos tido discussões reiteradas em relação ao tema do Orçamento público, no campo da falta de transparência (“orçamento secreto”) e se detecta crônica prática do clientelismo político na destinação dos recursos das emendas por parte dos congressistas, objeto de denúncia em reiteradas reportagens de jornalismo investigativo. Mesmo assim, diversos congressistas gaúchos vieram a público externar profunda comoção e solidariedade em relação ao drama vivido no Rio Grande do Sul.
Ao se verificar se o comportamento congressista é compatível, em relação à atitude legislativa, observa-se, em reportagem publicada pelo SBT News que, na verdade, poucos dos congressistas do Estado são autores de emendas individuais dos 2 últimos exercícios financeiros (2023 e 2024) que tivessem sido especialmente destinadas a ações de prevenção e enfrentamento de desastres naturais como os de agora.
Das 34 emendas de autoria da bancada gaúcha, só 6 têm alguma relação com o tema, sendo voltadas ao apoio a projetos de desenvolvimento sustentável local integrado, com as dotações (despesas) iniciais somando R$ 52,39 milhões, ante R$ 484,52 milhões das demais.
No quesito políticas públicas, precisamos mergulhar com mais profundidade. Vamos voltar no tempo –retornemos a 22 de abril de 2020. Naquele dia, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles trouxe à baila o pensamento governamental sobre como lidar com o meio ambiente no Brasil –a tática “de boiada”. Enquanto a população sofre o drama e as mortes da pandemia, enquanto a mídia cobre a pandemia, aproveitemos essa distração de ambos para aprovar projetos de interesse do governo na área ambiental –ainda que desinteressantes e até danosos para a sociedade.
Assim, começamos a perceber que a responsabilidade não é só dos governos estaduais e federal, assinala Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, mas também do Congresso —pois as tragédias são resultado da falta de adaptação e de combate às mudanças climáticas, duas áreas nas quais os Executivos precisam fazer mais e o Legislativo têm promovido ativamente retrocessos, em sua opinião.
“A maioria conservadora tem aprovado diversos projetos considerados nocivos para o meio ambiente. Nunca tivemos um Congresso tão dedicado a desmontar”, afirma o especialista em políticas públicas à frente do Observatório do Clima, rede de entidades que monitora a questão climática no Brasil.
“Deputados trabalham dia e noite para destruir a legislação ambiental do Brasil com afinco. Nesse momento estão querendo acabar com a Lei de Licenciamento Ambiental, querem acabar com a reserva legal na Amazônia e querem acabar com as reservas indígenas”, diz Astrini.
O secretário-executivo se refere a um projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental, permitindo que Estados e municípios determinem os projetos que precisam ou não fazer uma análise de impacto. Os defensores do PL argumentam que ele “diminuirá a burocracia” e por isso facilitaria o desenvolvimento econômico. Em alguns casos, negam dados científicos sobre o aquecimento global ou sobre desmatamento no Brasil.
Como se percebe, o drama do Rio Grande do Sul é grave e faz parte de um cenário maior e mais complexo. Decretar estado de calamidade é uma boa medida, mas absolutamente insuficiente para solucionar o problema. Acode-se o desesperado de hoje até a próxima tragédia que outro dia ocorreu em Petrópolis.
É necessário que se tenha extrema responsabilidade social em relação ao país ao discutir o tema ambiental no Congresso e cada governo estadual deve agir com a cultura do planejamento preventivo para construirmos uma nova realidade. Se não for dessa maneira, morreremos todos esmagados, pisoteados pela boiada.
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