Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis 12 Julho 2023 | 5min de leitura
Passados seis meses do início do Governo Lula, constata-se, evidentemente, o "cumprimento da falta de promessas eleitorais" de uma agenda institucional anticorrupção, especialmente por parte do Poder Executivo Federal, o qual deveria ser o grande deflagrador de ações e programas desta espécie.
Levando-se em consideração os três principais indicadores de corrupção, concebida pela Transparência Internacional como o "abuso de poder confiado a alguém para obtenção de ganho privados" - escândalos reportados pela mídia, pesquisas de opinião e condenações pelas instâncias formais de responsabilização estatal - o cenário nacional contemporâneo é desalentador e revoltante.
Diariamente somos "surpreendidos" com novos casos de corrupção de grandes proporções, relatados pelos meios de comunicação, mas, já anestesiados, tolerantes e descrentes, quedamo-nos inertes, aguardando a próxima onda nos afundar ainda mais nos rankings de desenvolvimento humano, sem nenhuma resposta institucional sistêmica e em forma de política pública de controle.
A mais recente publicação do Índice de Percepção da Corrupção 2022, elaborado anualmente pelo organismo Transparência Internacional, revelou a manutenção do Brasil na 94ª posição entre 180 países, desde o ano de 2020. Sob o título "Uma década perdida no combate à corrupção", o documento revela que entre 2012 e 2022 o Brasil perdeu 5 pontos no ranking e caiu 25 posições, saindo da 69ª para a atual 94ª colocação. Com os 38 pontos alcançados em 2022, o país manteve seu mau desempenho, abaixo da média global (43 pontos), regional para América Latina e Caribe (43 pontos), dos BRICS (39 pontos) e dos países do G20 (53 pontos) e da OCDE (66 pontos).
De outro lado, o segundo ciclo de revisão da implementação da Convenção da ONU contra a Corrupção no Brasil 2019- 2021, feito pela mesma TI, apontou os principais retrocessos anticorrupção no Brasil: interferência do Governo Federal em órgãos anticorrupção, como o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) e a Receita Federal; perda de independência na atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR), nomeado fora da lista tríplice constitucional; criação do chamado "Orçamento Secreto"; imposição de sigilos contra a normativa da Lei de Acesso à Informação (LAI); constantes questionamentos desmedidos à higidez do processo eleitoral; e redução do combate aos crimes ambientais e da corrupção ambiental.
O relatório global Exporting Corruption 2022 (TI), de 11/10/22, expôs que o Brasil tem regredido na implementação da Convenção Antissuborno da OCDE, pelas seguintes razões: perda de independência de instituições que atuam no controle da corrupção internacional (PGR e PF); descontinuação do modelo das forças-tarefas; transferência da competência jurisdicional para a Justiça Eleitoral nos casos de corrupção ligada a crimes eleitorais (ex.: "caixa dois"); insegurança jurídica e deficiências legais; e pouca transparência de dados sobre investigações e sanções aplicadas pela CGU nos casos de suborno transnacional.
Em relação ao último indicador, infelizmente, o Poder Judiciário, já incapaz de cumprir a metade das metas de 70% de julgamento dos processos criminais e civis de corrupção, bem como de cumprir seus próprios precedentes sobre a matéria, especialmente nos Tribunais Superiores, passou a anular, sistematicamente e por questões formais superáveis, grandes casos de corrupção nacional e transnacional, dentre os quais, os simbólicos casos de Sérgio Cabral e Eduardo Cunha.
Das 121 "promessas de campanha eleitoral" dos então candidatos à Presidência e Vice-Presidência da República, Lula e Alckimin, apenas 3 (itens 112 a 114) se dirigiram ao combate à corrupção, prevendo compromissos meramente demagógicos e parcas medidas específicas: a atuação em rede e o aumento da transparência governamental.
Entretanto, ao fim dos primeiros seis meses do atual governo, o que se percebe, claramente e ao contrário do que ingenuamente se pudesse esperar, é um verdadeiro abandono institucional da agenda anticorrupção.
Além de relegar ações e programas anticorrupção de qualquer pauta do governo federal enquanto política pública, inúmeros atos de (des)governo corroboram o título deste artigo, dos quais se destacam: 1) perpetuação do "Orçamento Secreto", sob a roupagem de "Emendas de Relator", contra decisão do STF e cuja crítica fora um dos grandes motes da campanha eleitoral lulista; 2) extinção da Secretaria de Combate à Corrupção da CGU e rebaixamento da principal unidade anticorrupção - Diretoria de Operações Especiais - a uma simples Coordenadoria, tendo registrado míseras 18 atuações em 2023 (foram 45 em 2022, 64 em 2021 e 96 em 2020); 3) sigilo das imagens dos atos do dia 08/01/2023 e intensa articulação do Governo Federal e de sua bancada parlamentar de base para barrar a respectiva CPMI; 4) articulação política favorável à aprovação da PEC 9/23, a "PEC da anistia dos partidos políticos"; 5) indicação do advogado particular do Presidente ao cargo de Ministro do STF, sem qualquer título ou trabalho acadêmico relevante e um ilustre desconhecido até assumir a defesa de seu amigo nos processos afetos à Lava Jato; 6) expressivos e indiscriminados gastos públicos com cartões corporativos, na casa dos R$ 12 milhões, em apenas 4 meses; 7) liberação de R$ 7,4 bilhões em emendas parlamentares somente na primeira semana de julho, sendo R$ 2,1 bilhões em um único dia, reforçando as mazelas do presidencialismo de coalizão, em nome da "governabilidade" e das reformas.
Qualquer que seja o espectro político-ideológico dominante no Brasil, o que se percebe, portanto, é um deliberado abandono institucional das pautas (projetos e ações) anticorrupção e um aumento da tolerância social, que causam extrema preocupação e reclamam reações sistêmicas urgentes, antes que seja tarde demais para retomarmos o curso do desenvolvimento nacional.
*Rodrigo Otávio Mazieiro Wanis é promotor de Justiça, doutorando e mestre em Direito, professor e conselheiro superior do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac)
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