por: Lígia Maura Costa
01/11/2022 às 11:38 SBT News
Documento analisa a aplicação de leis anticorrupção pelos 47 maiores exportadores mundiais
Os países no mundo todo enfrentaram uma crise global de saúde pública com a rápida disseminação da COVID-19. A crise entre a Rússia e os países ocidentais em razão da guerra com a Ucrânia trouxe um delicado cenário geopolítico internacional. Infelizmente, a corrupção prospera e muito em tempos de crise com vivemos hoje.
Os países no mundo todo enfrentaram uma crise global de saúde pública com a rápida disseminação da COVID-19. A crise entre a Rússia e os países ocidentais em razão da guerra com a Ucrânia trouxe um delicado cenário geopolítico internacional. Infelizmente, a corrupção prospera e muito em tempos de crise com vivemos hoje.
A pandemia expôs mais do que nunca rachaduras nos sistemas públicos de saúde e mostrou várias possibilidades e oportunidades de condutas corruptas. Mas não foi só o setor da saúde que ficou exposto à corrupção.
O atual cenário geopolítico permitiu que vários outros setores também ficassem sujeitos às práticas corruptas, com a interrupção das cadeias de suprimento, tornando inúmeros produtos escassos e o aumento da demanda.
A pandemia, a Guerra na Ucrânia foram alguns dos grandes obstáculos ao combate à corrupção e tiveram um impacto significativo no monitoramento e fiscalização pelos países. Isso fica muito claro no relatório Exporting Corruption 2022 da Transparência Internacional, cuja 14ª edição foi lançada recentemente.
O relatório Exporting Corruption 2022 analisa a efetiva aplicação de leis anticorrupção pelos quarenta e sete maiores países exportadores mundiais, quase todos integrantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), representando assim 84% das exportações globais.
A base do relatório está no número de investigações anticorrupção realizadas, nas ações de fiscalização e controle e em outros dados que permitiram avaliar se tais países estiveram de fato e de modo eficaz monitorando e controlando o combate à corrução transnacional. Os resultados são muito preocupantes.
A Convenção sobre Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (Convenção Antissuborno) da OCDE foi concluída em 1997, em Paris.
Os trinta e oito países membros da OCDE são signatários da Convenção Antissuborno, ao lado de seis países não membros: Argentina, Brasil, Bulgária, Peru, Rússia e África do Sul.
A corrupção nos negócios internacionais causa danos ao desenvolvimento sustentável, à Agenda 2030, aos direitos humanos e às instituições democráticas.
A Convenção da OCDE traz sólidos fundamentos para redução da corrupção nas transações internacionais, embora sua implementação pelos países ainda seja um desafio.
Mais de duas décadas após a adoção da Convenção Antissuborno, a maioria dos países ainda está aquém de suas obrigações. É o que demonstra o relatório Exporting Corruption 2022.
Dentre os quarenta e sete países examinados pelo relatório, apenas três deles ? China, Índia e Singapura ? não são signatários da Convenção Antissuborno e somente a Islândia, país signatário da Convenção Antissuborno, não é examinada pelo relatório, diante de sua pequena participação no comércio internacional.
Todos os países examinados ratificaram a Convenção da Nações Unidas contra a Corrupção, o único tratado internacional multilateral anticorrupção juridicamente vinculativo.
O relatório Exporting Corruption 2022 está dividido em quatro categorias: 1) ativa; 2) moderada; 3) limitada; e, 4) pouca ou nenhuma fiscalização.
Os países recebem pontos baseados no desempenho da suas respectivas fiscalizações ao combate à corrupção, diante do número de investigações de corrupção iniciadas, número de acusações de conduta corruptas apresentadas e casos de corrupção concluídos com sanções, entre os anos de 2018 a 2021.
O relatório demonstra um declínio global na fiscalização do combate à corrupção. Apenas dois países, os Estados Unidos da América e a Suíça, estão efetivamente combatendo a corrupção através da concreta aplicação e fiscalização da legislação anticorrupção.
Pior, somente dois países melhoraram de nível de fiscalização no relatório: a Letônia (de fiscalização limitada ? nível três ? para moderada ? nível dois) e o Peru (de pouca ou nenhuma fiscalização ? nível quatro, para fiscalização limitada ? nível 3). Em suma, segundo o Exporting Corruption 2022, dois países realizaram uma fiscalização ativa; sete países fiscalizaram de modo moderado; dezoito países fizeram uma fiscalização limitada e vinte países tiveram pouca ou nenhuma fiscalização contra a corrupção.
O Brasil foi rebaixado neste relatório, em comparação com sua edição anterior, lamentavelmente. No período de 2018-2021, o País foi do nível dois ? fiscalização moderada ? para o nível três ? fiscalização limitada.
Em 2021, por exemplo, as prisões por corrupção feitas pela Polícia Federal chegaram ao menor patamar dos últimos 14 anos, equivalendo a uma redução de 44% em comparação ao mesmo período do ano de 2020. Segundo o relatório, o Brasil instaurou 5 investigações anticorrupção, iniciou 1 único processo judicial e 2 processos anticorrupção tiveram sentença definitiva com a aplicação de sanções.
Ao compararmos o Brasil com os dois países que estão no topo da lista, com ativa fiscalização anticorrupção, os Estados Unidos e a Suíça, vemos que no caso dos Estados Unidos foram abertas 48 investigações, iniciadas 163 casos e concluídos 145 com aplicação de sanções; e, no caso da Suíça, 39 investigações iniciadas, 2 processos foram instaurados e 11 casos concluídos com a aplicação de sanções.
Segundo o Exporting Corruption 2022, dentre as principais causas do declínio no combate à corrupção no Brasil se pode citar: a inadequação dos instrumentos de denúncia e proteção do "informante do bem" (whistleblower); o desmantelamento do bem-sucedido modelo de "força-tarefa" para o combate à corrupção, o que levou a um grande declínio das investigações de corrupção; a interferência política nas agências especializadas para aplicação da lei anticorrupção (como Polícia Federal e Ministério Público Federal), com graves consequências para os esforços anticorrupção; e, a decisão do Supremo Tribunal Federal de transferir a competência jurisdicional dos casos envolvendo corrupção política para a justiça eleitoral, que não dispõe de conhecimento ou recursos para conduzir essas investigações e processos, resultando em impunidade, na maior parte dos casos.
A corrupção tem impactos devastadores no mundo real. Quantas pessoas não morreram por falta de ventiladores durante a COVID-19, porque os recursos foram desviados para os bolsos de poucos?
A corrução não é um crime sem vítimas, muito pelo contrário; apenas a identidade de suas vítimas é desconhecida pela maioria e por essa razão muitos pensam, erroneamente, que sem vítimas identificáveis não há crime.
Que bom seria que se ao invés de termos apenas dois países liderando o combate à corrupção, como demonstra o relatório Exporting Corruption 2022, tivéssemos uma competição com grande número de concorrentes, todos por um mundo melhor, mais inclusivo, mais sustentável e menos corrupto.
Ligia Maura Costa, professora titular na FGV EAESP, coordenadora do FGVethics, advogada.
*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).
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