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tayane16

O combate à corrupção é um exercício diário


Recebi recentemente o convite do Dr. Roberto Livianu, fundador do Instituto Não Aceito Corrupção para escrever artigos para seu blog, em parceria com este distinto jornal. A proposta, segundo ele, era a de explorarmos tópicos de interesse e que retratam nosso dia-a-dia na busca incessante do combate às más-práticas, falhas de conduta e violação moral.


Ao começar a redigir o texto percebi que infelizmente, não nos faltam exemplos. Os casos não estão somente atrelados a desvios de dinheiro ou suborno. É maior que isso. A corrupção é silenciosa e se espalha rapidamente como esse vírus que temos combatido incansavelmente.


Ontem minha mãe foi tomar a segunda dose da vacina do Coronavírus. Como de praxe, chegou ao posto de saúde, entregou sua carteirinha de vacinação e foi encaminhada à sala de aplicação. Ao chegar, a enfermeira se aproximou já com a seringa em riste, pronta para ser aplicada. Minha mãe não permitiu. Com muita perspicácia, e por ser uma mulher informada, exigiu que a enfermeira preparasse sua vacina ali, na sua frente, a partir do vial do medicamento lacrado. Com certo desconforto, a enfermeira assim o fez, e para a surpresa de minha mãe, o líquido que saiu do vial era diferente daquele presente na seringa pronta. Não temos como afirmar que a seringa pronta era uma farsa, mas essa experiência me fez concluir com mais certeza que, somando-se às notícias que temos visto, ainda vivemos numa sociedade cuja cultura está sustentada na “lei do oportunismo”, no “tirar vantagem sobre os outros”, no “jeitinho brasileiro”.

Quando era criança eu assistia aulas semanais sobre “Educação Moral e Cívica”. Era matéria obrigatória nas escolas e tinha um propósito educativo legítimo, de somar à educação parental, conceitos importantes da vida em sociedade, do respeito ao próximo, das Leis e a nossa Constituição. Isso se perdeu ao longo dos anos. E sinto que nossa sociedade piorou. Os índices de corrupção que temos apurado ano após ano, medidos pela organização não governamental Transparência Internacional, não nos permitem chegar à uma conclusão diferente.


Nos últimos anos, o Índice de Percepção de Corrupção do Brasil medido por essa conhecida organização, mostrou tendências de queda sendo a nota mais recente de 38 pontos, correspondente ao ano de 2020. Ressalto que quanto menor a nota (cujo intervalo vai de 0 a 99), maior a percepção de que há corrupção num país.



Fonte: Transparência Internacional (https://transparenciainternacional.org.br/ipc/)


De 2012 a 2020, a melhor nota apurada para a sociedade Brasileira foi de 43, em 2014, reflexo direto da Lei Anticorrupção, promulgada em agosto de 2013. A partir de então, a percepção de corrupção (ou a sensação de que a corrupção existe de forma mais sistemática) medida junto aos nossos cidadãos aumentou e por consequência a nota do Brasil caiu. Muito se discute se o ofensor da nota foi o fato das pessoas estarem mais alertas sobre temas relacionados à corrupção tornando-as mais diligentes e fiscalizadoras; ou se de fato, tivemos um aumento nos casos de corrupção no país. Independentemente da conclusão, o fato é que nosso índice é um dos mais baixos do mundo, a frente apenas de países como Venezuela, Sudão, Somália, Síria, reconhecidamente impactados por guerras civis e/ou continentais e políticas públicas fracassadas; e bem atrás de países pelos quais nos espelhamos, como Estados Unidos, Canadá, e países da Europa.


Como mudar esse paradigma? Como dar a volta por cima?


Naturalmente pensaríamos: “precisamos de políticas públicas mais assertivas, rígidas na aplicação de penalidades, na diminuição daquela famosa sensação de impunidade que nos cerca, na melhor estrutura de educação, com matérias atinentes à ética, integridade, civismo, etc”.


Certamente, cobrar dos nossos governantes tais ações é estratégia primordial para a mudança da cultura de nossa sociedade. Mas isso se conquista com persistência, e uma boa dose de paciência.


Então, como nos organizar para oferecer soluções mais palatáveis, imediatas e assertivas no combate à corrupção?


A sociedade civil tem mostrado esse caminho. Agrupou-se em organizações não governamentais (ONGs), fóruns, grupos de trabalho e de estudo, equipes multidisciplinares, e que contam com participação não só de empresas, mas também instituições de ensino, autarquias, reguladores, pessoas físicas, etc.


Recentemente fui eleita para liderar uma dessas organizações. Hoje coordeno da Plataforma Anticorrupção do Pacto Global das Nações Unidas. O Pacto Global está no país desde 2003 trabalhando no desenvolvimento de temas de interesse público como direitos humanos, clima, água. Em 2013, em resposta às crescentes demandas da sociedade, deu partida ao Grupo de Trabalho Anticorrupção (como era chamado à época) com objetivo de unir a sociedade civil em prol da bandeira da Ética e da Integridade e das melhores práticas de conformidade, buscando disseminá-las para as empresas as aplicarem na condução de seus negócios, seja entre empresas privadas ou privadas e públicas.


Hoje, na plataforma, contamos com mais de 90 empresas signatárias, que representam todo território nacional e que se reúnem em frentes de trabalho, para estruturar e disseminar temas como o treinamento de avaliação de riscos de corrupção, riscos de corrupção na cadeia de valor das empresas, ferramentas de tecnologia para apoio às práticas de conformidade, maturidade da ética nas empresas, entre outros.


Para mim, coordenar esse grupo representa uma contribuição pessoal na busca por uma sociedade melhor. Por uma evolução social mais justa, para um legado melhor para meu filho.


O combate a corrupção é um exercício diário de vigilância, diligência e atitude. E depende de cada um de nós.


*Camila Gualda Araujo é diretora de Governança, Riscos e Conformidade da Eletrobras S/A e coordenadora da Plataforma Anticorrupção do Pacto Global das Nações Unidas no Brasil. Formada em Engenharia Química, pós-graduada em Administração de Empresas, construiu sua carreira nas práticas de governança, riscos e compliance. É casada e mãe de um menino.

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