WELLISON MUCHIUTTI HERNANDES* 15 MAIO 2024 | 5min de leitura
Quando abrimos nossos livros virtuais, aqueles que muitas vezes ligamos logo após acordarmos, tomamos conta que não sabemos nada. Olhamos uma matéria jornalística, após olhamos outra totalmente diferente, depois olhamos os comentários, em que inúmeras pessoas juntam dados que ninguém sabe lá qual a fonte e os expõe de forma contundente.
O debate se torna cada vez maior quando um acusa que outro desviou, quem está do outro lado apresenta recursos contrapondo, alegando desde que o julgador do processo fez errado e, novamente, apresenta provas inocentando “seu lado”. Sempre os mesmos argumentos, sem o mínimo de conhecimento jurídico, ou mesmo clínico médico, como assistimos na pandemia.
O problema maior é que sempre ficamos num labirinto político. Só que desta vez estamos no labirinto e com a luz apagada. Não sabemos o que e a quem seguir, quem está certo, se os dados apresentados são reais, ou apenas uma forma de se passar bem. Poderíamos seguir a linha do grande sociólogo Zigmunt Bauman, em seu livro Confiança e Medo na Cidade, em que temos medo do crime e do criminoso e, pela insegurança nebulosa, nos tornamos indecisos e desconfiados.
Esse individualismo moderno tem uns fatos importantes que chamam atenção, com base na liderança maior, como já vimos a famosa teoria das janelas quebradas, seria talvez essa forma trazida para o campo político. Sem a diferenciação da política e do político, isto trouxe o pânico, a desmistificação citada pela insigne Chantal Mouffe, em seu Livro Sobre o Político, que tiraram o caráter político na política e jogaram para a esfera moral, ou seja, o confronto entre o bem e o mal, que seu oponente pode ser percebido como um inimigo a ser destruído.
Não podemos fugir do fato de que a política democrática não se limita a estabelecer uma solução conciliatória. Sua sustentação é justamente a fantasia e desejos do povo, em que suas paixões sejam usadas para projetos democráticos. Por isto é sim interessante que a política democrática precisa possuir um caráter partidário, sob pena de colocar em choque a democracia.
O que ainda não conseguimos entender, além do alvoroço em todos os locais, são os motivos pelos quais os políticos neófitos conseguiram, com discursos novos, formarem multidões entusiasmadas e obtiveram vitórias impressionantes. Aqui não estamos falando de idade, isto é o que menos importa hoje em dia. Existe uma lacuna que foi preenchida nos últimos anos, que aos poucos formaram uma enorme porteira que nunca mais se fechará.
Como a distinção entre a verdade na política, não há como dizer que não voto em político velho, a diferença é que há o novo poder em evolução. O que se mudou de forma drástica e não retornará ao seu normal de antes é o velho poder. Definimos de acordo com os estudos e levantamentos de Henry Timms e Jeremy Heimans, no livro o Novo Poder.
O velho poder funciona como uma moeda de troca, é uma propriedade de poucos. Uma vez conquistado, é guardado com zelo, e os poderosos têm um estoque substancial para gastar. É fechado, inacessível e impulsionado por um líder, ou seja, é fazer um download e guardar.
O novo poder opera de maneira distinta, como uma corrente, que é feito por muitos. É aberto, participativo e impulsionados por iguais, fazer um upload e distribuir. Como a água ou a eletricidade, é mais forte quando aumenta de repente. Com o novo poder, o objetivo não é acumular, mas sim canalizar.
São as características que mudaram. Mas quando um político abre realmente seu governo, sendo transparente radical de verdade, ele traz consigo a confiança dos que olham. Mas quando remetemos a forma de conduzir a política de maneira imoral, não seria viável o político em abrir seus dados, seria este o sentimento que a população mais usa hoje em dia. Essa decisão política no campo moral, utilizada atualmente, se faz pelo histórico de corrupção que todos os dias vem sendo divulgado pela imprensa.
Não temos mais um espelho, um líder, isto acabou. Agora temos que seguir o que a rede decide. No século XX, tudo foi construído de cima para baixo. Agora não mais: temos uma linha horizontal em que a “massa” domina. É o detalhe da conectividade onipresente de hoje, no qual podemos nos reunir e nos organizar de maneiras geograficamente ilimitadas, altamente distribuídas e com velocidades e alcance sem precedentes.
A nossa meta é conseguir colocar dados reais consistentes. Com essa rapidez, não conseguimos acompanhar as evoluções, como bem citada na obra da Modernidade Líquida de Bauman. Nem tudo é líquido, não podemos mais prever e nos programar, bastando apenas nos preparar e tratar as angústias dia a dia.
Seria muito melhor se tivéssemos medo, e não pânico. O medo é racional, não votamos em candidato em razão do medo de ele ser ruim por algum motivo. Já o pânico é irracional, pois quando falamos em “política”, a pessoa já repugna num pacote geral, pelo pânico causado através de informações que buscam, muitas vezes, a audiência a qualquer custo.
Mesmo assim devemos cuidar das evoluções e nos adaptar, buscar ler históricos das origens, de como chegar à notícia pela interpretação das mídias, das linhas e grupos que defendem seus posicionamentos, tanto de direita, esquerda ou centro. Debater no âmbito de qual se aplicar melhor, não apenas por acusações que nos tornam inimigos.
Maquiavel, em algumas passagens, citou " Em toda cidade nos deparamos com estes dois desejos diferentes... o homem do povo odeia ser mandado e oprimido por aqueles que são mais poderosos que ele. E os poderosos gostam de mandar no povo e de oprimi-lo”. Estamos em risco de um colapso frontal com a nossa democracia, precisamos nos reinventar.
*Wellison Muchiutti Hernandes é advogado e professor universitário. Mestre em Direito Desenvolvimento e Justiça, pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), pós-graduado em Direito Público com Ênfase em Gestão Pública pelo Complexo Damasio de Jesus (2015/2017), em Direito Penal pela Faculdade Metropolitana (2019)
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica
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