Consequências para os cidadãos. Ferramentas legais para enfrentamento.
Como já tivemos oportunidade de nos manifestar, falar sobre corrupção no
Brasil é lutar contra os números: de acordo com a Transparência Internacional
e seu IPC (Índice de Percepção da Corrupção, principal indicador de corrupção
no setor público do mundo), o Brasil mantém-se ainda no pior patamar da
série, com apenas 38 pontos. Anote-se que a escala do IPC vai de 0 a 100, o 0
como altamente corrupto e o 100 como íntegro.
Não me canso de repetir que o combate à corrupção no Brasil, promessa de
sucessivos governos federais – e claro, estaduais e municipais principalmente
em época eleitoral, há décadas, ganhou maior espaço na mídia em 2014, com
a denominada Operação Lava Jato, considerada hoje a maior iniciativa de
combate à corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil. Ocorre que,
com a diluição das denúncias e com a instrumentalização de algumas
iniciativas, a gerar alguma frustração e até mesmo algum descrédito, o assunto
entrou em baixa e corre o risco de tornar-se repetitivo bordão, continuando o
Brasil a figurar como um dos piores colocados no já citado ranking de países
preocupados em nível internacional com a corrupção e seus efeitos sistêmicos
na economia mundial.
Reitere-se que não é por ausência de instrumentos legais que o combate à
corrupção perde efetividade. Desde a Convenção de Mérida, passando pela
Lei 12.846/2013 , denominada Lei Anticorrupção, que passou a regular a
fiscalização e a responsabilização de empresas que praticam atos lesivos
contra a administração pública, além da Lei 12.850/2013, que define
organização criminosa e indica os meios de obtenção de prova, com
adequações recentes do chamado Pacote Anticrime – aperfeiçoando-se a
legislação penal e processual penal nos termos da Lei nº 13.964/2019, certo é
que instrumentos legais não faltam, necessitando-se talvez de um esforço
mais sistêmico e integrado sob pena de lidarem, os operadores do direito, com
uma hipertrofiada legislação sem coerência ou praticidade. Lembra-se aqui
Montesquieu, a advertir que ‘até a virtude precisa de limites’.
Apesar disso, é com otimismo que devemos receber, por exemplo, as
iniciativas de criação e implementação, pela Polícia Federal (PF), das
Delegacias Modelo de Investigação e Análise Financeira , institucionalizando
boas práticas de investigação, com uma atuação menos burocrática e com
mais integração e efetividade no uso dos recursos investigativos. Veja-se que
as delegacias hoje possuem laboratórios em parceria com os peritos e outras
áreas de inovação da PF para o desenvolvimento e emprego de novas
tecnologias nas áreas de ‘Big Data’ e ‘Business Intelligence’, tudo a
incrementar a velocidade e na qualidade das análises policiais nos casos
complexos de repressão à corrupção.
Veja-se também que a Polícia Civil de São Paulo, maior estado da federação,
com mis de 46.000.000 de habitantes, inaugurou por sua vez em 2019 o
primeiro SECCOLD – Setor Especializado de Combate aos Crimes de
Corrupção, Crime Organizado e Lavagem de Dinheiro, também com
especialização nas investigações, sendo inúmeros os casos investigados e as
providências já efetivadas, cabendo aqui lembrar, na luta contra a corrupção,
o papel do Ministério Público, como titular da ação penal e órgão responsável
pela promoção de inquéritos civis, pela requisição de informações e pelo
ajuizamento de ações penais dentre outras competências.
A relevantíssima importância dos citados instrumentos institucionais para o
combate à corrupção decorre das graves consequências desse tipo de
criminalidade, que quando menos potencializa a desigualdade no nosso país,
que já é uma das maiores no mundo, e afeta de forma contundente o bemestar dos cidadãos quando desvia e assim reduz os investimentos públicos na
educação, segurança, habitação e outros direitos inclusive assegurados em
nível constitucional. Em outras palavras, a corrupção também afronta os
ditames da Constituição Federal, gerando exclusão social e acentuando a
desigualdade econômica.
Por isso que, com o respeito ao ordenamento jurídico e sem curvar-se ao
imediatismo e à espetacularização, toda a sociedade deve contribuir para a
prevenção, o enfrentamento e combate a corrupção, fiscalizando-se o Poder
Público e todos os envolvidos pelos canais existentes, a lembrar-se aqui por
exemplo o regramento da Lei de Acesso à Informação – nº 12.527, de 2011, e
a parceria entre a Controladoria-Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas
da União (TCU) na criação de ferramenta tecnológica de análise dados que
procede a uma varredura automatizada de editais de licitação publicados no
‘ComprasNet’, o portal eletrônico de compras do Governo Federal, gerando
alertas para potenciais inconsistências.
Somos uma democracia participativa, e os cidadãos têm o direito – senão o
dever – de participar do controle e da gestão estatal. O controle social, como
sistema preventivo, importa inclusive na prevenção desse tipo de
criminalidade que, além de ser histórico e sistêmico, existe no mundo inteiro.
*Ivana David, desembargadora do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
especialista em Teoria da Prova no Processo Penal. Ingressou na Magistratura
Bandeirante em 1990, atualmente integra a 7.ª Câmara de Direito Criminal.
Integrante do Programa Nacional de Capacitação e Treinamento para o
Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro à distância (PNLD-EAD) do
Ministério da Justiça e Segurança Pública
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não
representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção.
Autora: Ivana David
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