por: Rafael Costa
13/06/2023 às 11:47
Adoção de medidas efetivas é importante na busca pela prevenção e combate à corrupção
*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).
O processo com medidas estruturais tem em vista realizar uma reforma em entidades ou políticas públicas que não veem atuando da forma esperada, de modo a concretizar um direito fundamental ou reorganizar uma política pública.
Trata-se, em verdade, de um processo "[...] em que se veicula um litígio estrutural, pautado num problema estrutural, e em que se planeja alterar esse estado de desconformidade, substituindo-o por um estado de coisas ideal (*)"
Essa reestruturação ocorre, em regra, por intermédio da elaboração de um plano ou projeto aprovado pelo juiz e sua posterior implementação, abrangendo a reavaliação dos impactos diretos e indiretos, dos recursos necessários e dos efeitos das mudanças sobre os demais atores sociais (**), e caracterizando-se, dentre outros aspectos, pela dialogicidade -- abertura ao diálogo entre o juiz, as partes, os representantes dos demais poderes e a sociedade; cognição amplíssima, permitindo ao julgador o amplo assessoramento para o pleno conhecimento da realidade fática e jurídica, inclusive seus efeitos; flexibilidade procedimental, controle social e prolação de decisões contendo medidas adaptáveis e progressivas.
No âmbito do combate à corrupção, o modo tradicional de abordar os litígios não tem sido efetivo no enfrentamento de problemas sistêmicos. Assim, as instituições se veem empurradas a buscarem soluções não apenas repressivas, mas preventivas e de amplo espectro social. Nesse contexto, os processos com medidas estruturais se apresentam como fortes aliados, visando prevenir e remediar práticas corruptas sistêmicas. Essas medidas corrigem deficiências institucionais relacionadas à ocorrência de corrupção, promovendo mudanças duradouras nas práticas institucionais.
Pode-se mencionar, por exemplo:
Monitoramento e reforma de sistemas de contratação pública: um processo com medidas estruturais pode determinar a criação de um órgão independente de fiscalização e controle de contratação pública, com o objetivo de garantir a transparência, a competitividade e a eficiência nas licitações, inclusive através da implementação de mecanismos de prevenção e detecção de fraudes, da criação de bases de dados públicas e da adoção de diretrizes específicas para contratações relacionadas às peculiaridades de uma dada região.
Aprimoramento da transparência, acesso à informação e prestação de contas: um processo com medidas estruturais pode exigir a divulgação de despesas detalhadas sobre determinados temas, a disponibilização de relatórios periódicos sobre gastos públicos e a criação de canais de denúncia pela sociedade civil.
Fortalecimento das instituições de controle e adoção de programa de integridade: um processo com medidas estruturais pode determinar a criação ou o fortalecimento de órgãos de controle e investigação (v.g. "agências anticorrupção"), implementação de mecanismos de proteção a denunciantes/testemunhas, mecanismos de auditoria, monitoramento de riscos e a adoção de programas de integridade.
Capacitação e treinamento de servidores públicos: um processo de medidas estruturais pode exigir a implementação de programas de capacitação e treinamento para servidores públicos, visando fortalecer a ética, a integridade e a responsabilidade no exercício de suas funções. Esses programas podem abranger temas como a prevenção da corrupção, a ética no serviço público, a transparência na gestão e o combate ao nepotismo.
Estabelecimento de estruturas de governança: um processo pode adotar medidas estruturais para promover a definição de papéis e responsabilidades dos gestores, diretores e membros de uma entidade, bem como a garantia de que haja mecanismos adequados de supervisão e monitoramento.
Assim, a aplicação de medidas estruturais pode contribuir para prevenir a prática de atos de improbidade administrativa, exigindo, contudo, um sistema jurídico e institucional robusto, a participação ativa da sociedade civil, a adoção de mecanismos de supervisão e a avaliação contínua -- prospectiva e retrospectiva -- para garantir sua efetividade.
Contudo, é preciso tecer limites.
Deve-se evitar o subjetivismo exacerbado e o exercício desmedido do ativismo judicial, em especial quando adotadas medidas estruturantes, que podem dar ensejo à atuação das Cortes fora dos limites semânticos constitucionais.
O sistema dispositivo, a segurança jurídica, a proteção da confiança e os princípios da isonomia, da previsibilidade e do contraditório devem servir de limites constitucionais ao ativismo judicial estruturante, de modo que sejam prolatadas decisões eticamente fundadas, argumentativamente legítimas e racionalmente adequadas, compatibilizando, no contexto do Estado Democrático de Direito, a concretização dos direitos fundamentais com a prevenção à prática de atos de corrupção.
O ensaio não pretende apresentar uma resposta definitiva para o problema, em especial porque se trata de temática de ampla envergadura. Contudo, deve-se atentar para a importância de se adotar medidas mais efetivas na busca pela prevenção e combate à corrupção, com um esforço permanente pela concretização da honestidade no trato da coisa pública.
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(*) DIDIER JR., Fredie; ZANETI JR., Hermes; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Elementos para uma teoria do processo estrutural aplicada ao processo civil brasileiro. Revista de Processo. Vol. 303/2020. (**) VITORELLI, Edilson (Org.). Manual de Direitos Difusos. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2019, p. 1585
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*Corrupção em Debate é uma coluna do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC).
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção.
Esta coluna é uma parceria entre o SBT News e o Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação quinzenal.
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