O combate à corrupção está centrado em três eixos: prevenção, controle e punição. A prevenção refere-se ao conjunto de medidas administrativas e dispositivos normativos que auxiliam a regulação das atividades na esfera pública. Essas medidas têm por propósito antecipar às consequências de uma ação, corrigindo-a e redirecionando-a antes que o ato corrupto se manifeste. No caso brasileiro estamos nos referindo a toda legislação que tem por objetivo inibir as práticas de corrupção tais como: os Códigos de Ética, a Lei de Licitações e o Código Eleitoral.
O controle refere-se ao follow-up, ou seja, acompanhamento dos planos da organização pública e a verificação dos métodos e materiais adotados em defesa dos recursos públicos. Nessa etapa dá-se a verificação dos elementos institucionais de controle sobre a União, os Estados e os Municípios. É o aspecto mais difícil e de maior vulnerabilidade. Nesse eixo é que temos reincidências de atos de corrupção que despertam nos cidadãos uma sensação de impunidade, um verdadeiro “dejá vu”. O controle depende enormemente, de um lado, das informações disponibilizadas pelos órgãos públicos e de outro, das instituições de fiscalização e controle. Nesse segmento encontram-se os Tribunais de Contas e as Ouvidorias, por exemplo.
No que diz respeito a punição é um processo que almeja a redução da probabilidade de um ato corrupto ocorrer. Pressupõe-se que a aplicação de penas e de condenações será suficiente para desestimular e reduzir os incentivos às práticas corruptas. Tal pressuposto deriva da ideia que um determinado ato improbo poderá ser eliminado da esfera pública por temor à privação da liberdade. Acredita-se que a possibilidade de encarceramento será suficiente para inibir qualquer desvio de recursos por agentes públicos.
Nesse sentido, o poder judiciário assume um papel fundamental tanto pela resistência aos governos corruptos quanto por assegurar os princípios do Estado Democrático de Direito. Especificamente, no caso brasileiro, o ministério público assumiu o protagonismo como fiscalizador do interesse público, ou seja, do bem comum. Compete ao Ministério público a função de contribuir para o estabelecimento dos critérios da política criminal ou da persecução penal dentro do Estado, à luz dos princípios orientadores do direito penal.
Foi esse o escopo da operação “Lava Jato”, sob responsabilidade do Ministério Público, propôs-se investigar e punir os agentes políticos envolvidos em atos de corrupção. A operação Lava Jato foi uma investigação que teve origem nos esquemas de lavagem de dinheiro e desdobrou-se em torno de empreiteiras, operadores financeiros e funcionários da Petrobras.
Iniciada em 2014 e esvaziada gradualmente a partir de 2020, foi a ação mais longeva que o Brasil teve no combate à corrupção. Não apenas a longevidade chama atenção, assim como os números da operação, foram: 278 condenações de 174 réus, 17 acordos de leniência que assegurarão a recuperação de R$15 bilhões desviados.
A investigação, ao longo dos seis anos, foi revelando como os recursos públicos foram apropriados indevidamente por atores políticos, eleitos ou não. Recursos que deveriam destinar-se a uma população desprovida de bons hospitais públicos, de creches, de escolas com qualidade, de bons salários aos professores da rede pública e de moradias dignas. A operação demonstrou como os políticos operavam e, ainda operam em alguns setores, na apropriação do dinheiro público.
Obviamente que vários erros, como os usos e abusos de expedientes que norteiam os princípios jurídicos e a parcialidade nas decisões, ocorreram durante a ação de promotores, procuradores e juízes, mas há contribuições que não podem ser renegadas. Por exemplo, os acordos de leniência fechados pela Odebrecht revelando os meandros da relação público-privado não apenas no Brasil, mas em diversos países como Angola, Argentina, Colômbia, México, Moçambique, Panamá e Equador. Também devemos considerar as mobilizações que ocorreram para promover mudanças na legislação brasileira, conhecidas por reformas anticorrupção, destacam-se: a Lei de Responsabilidade das Estatais (Lei nº 13.303/2016), que dispõe sobre novos padrões de governança, riscos e compliance da empresa pública, estabelecendo regras mais rígidas para compras, licitações, e de nomeação de diretores, membros do conselho de administração e de presidentes; o Decreto nº 9.203/2017 que define a obrigatoriedade de instituição de programas de integridade para órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional; e a Lei 13.964/2019, proveniente do projeto do Governo denominado de Pacote Anticrime que propôs diversas alterações no Código Penal.
Inegavelmente, a operação “lava jato” trouxe mudanças jurídicas e comportamentais, porém estamos longe de um controle eficiente dos recursos públicos. O combate à corrupção é um longo caminho que demanda persistência e tenacidade. A erradicação da corrupção dificilmente será alcançada, o que podemos fazer é tornar as “ações corruptas” menos danosas aos cofres públicos e aos cidadãos. A Lava Jato deu sua contribuição, que descanse em paz!
*Rita de Cássia Biason, cientista política e professora na Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – Unesp/Franca.
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