ROBERTO LIVIANU 03 OUTUBRO 2023
Na 5ª feira (5.out.2023), nossa Constituição completa um ciclo de 35 anos de vida, e como é sabido e notório, seu texto foi (r)emendado ao longo desses anos inúmeras vezes. E ainda será no futuro, tantas outras quantas a conjuntura e as circunstâncias políticas (leia-se acomodação de interesses) exigirem, e não, a prevalência do interesse público.
Quando foi sancionada e promulgada, ela foi reverenciada como sendo a Constituição-Cidadã, a carta política garantidora dos direitos civis, sociais e políticos da sociedade brasileira, eternizada por aquela imagem de Ulysses Guimarães exibindo-a orgulhoso no Congresso Nacional. Aliás, ele parecia profetizar ao vaticinar históricos pensamentos: “Corrupção, o cupim da república” e “Se você acha esse Congresso ruim, espere até o próximo”.
Ao longo desses 35 anos, passamos por processo de acentuada deterioração da classe política e líderes da estirpe de Ulysses Guimarães, Leonel Brizola, Plinio de Arruda Sampaio e Mário Covas (todos constituintes) não existem mais. O advento do Fundo Eleitoral, hoje da monta de R$ 4,7 bilhões (o maior do planeta) distorceu a lógica da política.
Partidos médios têm receitas maiores que o faturamento de muitas empresas grandes. Os dirigentes, verdadeiros coronéis, eternizam-se no poder, sem admitir implantar regras de integridade, sem prestar contas, sem democracia interna, sem oferecer espaços de poder efetivos para mulheres e negros. Depois de anos de construções na direção das ações afirmativas, com frieza glacial fala-se em anistia aos partidos e achatamento dos pequenos espaços concedidos às minorias.
Ou seja, as cifras bilionárias do Fundo Eleitoral e mais o outro bilhão do Fundo Partidário degradaram a política e há movimentação permanente no sentido de serem enfraquecidos os mecanismos de fiscalização do uso desses recursos, que são provenientes do orçamento público. É tudo absolutamente surreal.
Voltando à Constituição aniversariante, uma de suas facetas mais relevantes, que é inclusive cláusula pétrea, é a chamada separação dos Três Poderes –Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes e que devem se fiscalizar mutuamente sem hierarquia. E obviamente sem um 4º poder moderador, que só existiu na Constituição do Império, no século 19.
Ocorre que temos vivido tempos de belicosidade na nossa democracia, classificada como falha, com perspectivas no sentido de se transformar em autocracia. Nas últimas eleições encharcadas por fake news, foi promovido pelo ex-presidente da República processo de desmoralização pública da credibilidade das urnas eletrônicas, utilizadas há várias décadas em nosso país, por meio da quais ele mesmo se elegeu 6 vezes deputado federal sem contestação. A punição aplicada foi a inelegibilidade por 8 anos.
Depois disso, em 8 de janeiro de 2023, uma horda de milhares de pessoas ocupou simultaneamente os palácios das sedes dos Três Poderes. Saquearam, destruíram bens públicos, espancaram pessoas, inclusive 40 jornalistas, em face do que inúmeros processos criminais estão se desenvolvendo e as primeiras penas sendo aplicadas, além de inúmeros acordos penais celebrados.
Esqueceram-se que temos Constituição quando há poucos meses foi cogitado permitir a derrubada de decisões não unânimes do STF pela Câmara –a inconstitucionalidade é patente. Agora volta-se a cogitar mudar a Constituição, quando as decisões da Suprema Corte forem consideradas abusivas pelo Legislativo.
Não se pode deixar de registrar que depois de longo e exaustivo debate, o STF, cumprindo seu papel de interpretar a vontade da norma, decidiu há poucos dias contra a aplicação do marco temporal das terras indígenas. Em seguida, Comissão do Senado aprova projeto de marco temporal em retaliação à decisão da Suprema Corte.
Eventual proposição do Senado, que venha a ser referendada pela Câmara poderia ser vetada pelo presidente da República e, mesmo que se reúna quórum para a derrubada do veto presidencial pelo Congresso, o STF poderia reiterar os termos da decisão anteriormente tomada. Assim como poderá proclamar a inconstitucionalidade de quaisquer proposições que inviabilizem o princípio da separação dos Poderes, que se aventa ao querer obstruir o pleno exercício do STF.
São sintomas graves de um quadro de beligerância entre os Poderes, cabendo aos respectivos chefes a construção do caminho da paz, pelo diálogo à luz da Constituição aniversariante, procurando-se fórmula de coexistência dentro do mútuo respeito que ao mesmo tempo garanta a plenitude do exercício de cada um dos poderes, sem ruptura do Estado de Direito.
A receita não pode ser outra diversa da exaustão da negociação dialógica, considerando-se que agora ingressou nesse pequeno grupo que inclui Lula, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco (chefes do Executivo e Legislativo) um novo personagem, o recém-empossado presidente do STF, o ministro Luís Roberto Barroso.
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