Eduardo Muylaert* 03 de outubro de 2022 | 05h00
Na política, todas as atenções se voltam para os resultados das eleições de 2022, nas quais serão escolhidos o novo presidente da república, todos os governadores, bem como deputados e senadores.
Já o meio literário aguarda a nova tradução da grande obra de Proust, feita por Rosa Freire de Aguiar e Mário Sérgio Conti, para a Companhia das Letras. Proust continua o mesmo, mas abandona-se o conhecido “Em busca” e a obra agora vem como “À procura do tempo perdido”.
O que teria Proust, porém, a ver com as eleições e com a corrupção? Ainda adolescente, em 1886, o escritor respondeu a um conjunto de perguntas que ficaria conhecido como “o questionário de Proust”, encontrado e publicado após sua morte. Esse tipo de exercício, comum na Inglaterra vitoriana, nos chamados confession books (livros de confissões) visava desvendar a personalidade do entrevistado e favorecer o autoconhecimento. Mais tarde, o método foi muito utilizado em programas de televisão no mundo todo.
É possível, de modo paralelo, elaborar um pequeno questionário para servir como remédio caseiro, quase um genérico, contra a corrupção. Com a esperada posse dos novos governantes, uma das questões que aflige os eleitores é a de saber em que medida será possível evitar os escandalosos casos de corrupção que, infelizmente, macularam nossa história política. As questões feitas a Proust eram mais de índole pessoal; quando indagado sobre os personagens históricos que mais desprezava, saiu-se com “Não sou suficientemente instruído”. A questão aqui, entretanto, não é de instrução, é de cidadania.
Compete a todos os órgãos e agentes públicos, do presidente da República ao estafeta de Vila dos Confins, nessa abrangência bem definida pelo grande Nelson Hungria, honrar o artigo 37 da Constituição de 1988, que determina que a administração obedeça aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Esses cinco princípios deveriam constituir a cartilha de todo agente público, de qualquer um e de todos os poderes. Com cinco questões, cada um de nós pode verificar se esse comando está sendo seguido. E cada agente público, antes de agir, deve se questionar, honestamente, a respeito de seu ato ou decisão, sabendo que dele deve prestar contas.
1. É legal e conforme à Constituição? A ilegalidade e o abuso de poder contaminam qualquer ato do poder público, que pode ser derrubado pelo poder judiciário
2. Atende ao interesse de todos e não visa beneficiar ninguém em particular? A ideia de bem comum, de interesse republicano, tem sido esquecida com frequência. Uma decisão que fira o princípio da impessoalidade pode e deve ser contestada na justiça.
3. Corresponde aos padrões normais de moralidade? Qualquer pessoa compreende a moralidade média, que começa com o não roubar, não se apropriar dos bens ou do dinheiro público.
4. É o melhor meio de obter um bom resultado? O princípio de eficiência foi uma grande inovação na nossa Constituição de 1988. Sempre que se utilizam modos pouco comuns, ou mais dispendiosos, no exercício da administração, é necessário verificar que interesse está por traz disto.
5. Pode ser exibido à vista de todos? O princípio constitucional da publicidade determina que nada seja escondido, a não ser em casos especialíssimos de proteção da intimidade ou de segredos de estado. Decretar sigilo, à vezes até de cem anos, em matérias corriqueiras, é sintoma de que ali pode haver alguma anomalia. Esse princípio se conjuga com o da ampla liberdade de informação, sem qualquer censura, para que a imprensa possa discutir e trazer ao conhecimento das pessoas as questões controversas.
Num cenário onde esses princípios sejam respeitados, qualquer empreitada de corrupção é bastante dificultada. Ainda que ocorra, é fácil ser detectada. Há inúmeros órgãos públicos para prevenir e reprimir a corrupção. Eles se submetem a esses mesmos princípios. Mas, numa democracia, mais do que a ação estatal, é a vigilância da imprensa e dos cidadãos o grande remédio contra a corrupção.
*Eduardo Muylaert, advogado
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
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