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  • Foto do escritorInstituto Não Aceito Corrupção

A cartada de Lula

A escolha de respeitado jurista para a Justiça representa renovação da perspectiva de construção de política pública anticorrupção


Por Roberto Livianu

02/01/2023 | 03h00


Nossa democracia vem sendo criminosamente atacada nos últimos tempos com terrorismo, manifestações pedindo o fechamento do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso, tentativa fracassada de desmoralização das urnas eletrônicas, hostilização de jornalistas. Somando-se aos abusos nos decretos presidenciais de sigilo centenário, deterioraram-se perigosamente a transparência e o acesso à informação, garantidos constitucionalmente.


Instituições foram enfraquecidas em meio à pandemia, gerida à base de negacionismo. Foram 153 pedidos de impeachment contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que morreram trancafiados na presidência da Câmara.


A postura descomprometida com a liturgia republicana culminou com a fuga para os Estados Unidos. A faixa presidencial que Jair Bolsonaro não quis entregar foi recebida das mãos de grupo representativo da sociedade, que subiu a rampa do Palácio do Planalto ao lado de Lula da Silva.


Reconduziu-se Lula ao poder, em pacto nacional para proteger os valores democráticos, novo depositário das esperanças do povo por dias melhores, apesar das graves ressalvas em relação a seu passado e a seu partido.


Logo que os resultados apontaram Lula vencedor, veio ele a público afirmar que a vitória era da sociedade, não sua nem do PT; que seria vital construir frente plural para governar em prol de todos. Afinal, é necessário saber partilhar o poder com quem ajudou a construir a vitória, como Simone Tebet e Marina Silva, por exemplo.


Mas chama a atenção que mesmo com aumento de mais de 50% no número total de ministérios, o núcleo duro do poder (Casa Civil, articulação política, Fazenda e Relações Exteriores), assim como as importantes pastas da Educação e Desenvolvimento Social, foi mantido em mãos petistas.


Crescemos de 24 para 37, o que, a priori, não é necessariamente ruim, apesar dos custos, se a ação concreta for eficiente. A inclusão em número recorde de mulheres e negros sinaliza positivamente, assim como o Ministério dos Povos Originários.


Não vingou nessas eleições a hipótese da terceira via em virtude da polarização política advinda da bolha das redes sociais e da dificuldade da grande massa de eleitores em se sintonizar com seu discurso. O déficit de informação e educação, somado à difusão em larga escala de fake news, exigiu trabalho intenso por parte da Justiça Eleitoral. Precisaremos semear investimentos maciços e contínuos em educação pública integral nas próximas décadas, incluindo formação em cidadania, para colhermos no futuro.


E Lula, por outro lado, terá de usar toda a habilidade para lidar sem ódio nem rancor com o grande contingente de bolsonaristas que bloqueou rodovias e abraçou quartéis para pedir golpe militar, e com a nova safra de deputados federais e senadores fiéis ao seu antecessor.

Ou seja, ele precisará saber lidar com o bolsonarismo que fica no Congresso, nas ruas e nas redes. E bolsonaristas que se referem a ele pejorativamente, tendo em vista o reposicionamento do STF, que acabou permitindo sua candidatura – o tribunal não se preocupa em se fazer entender pela sociedade ao decidir.


Há uma grave percepção social de que a impunidade prevalece e a soltura de Sérgio Cabral, réu confesso condenado a centenas de anos por corrupção em 24 processos, reforça isto. Um dos desafios a ser enfrentado no novo mandato, por meio de proposições do Ministério da Justiça e pelas escolhas que serão feitas para o STF, Superior Tribunal de Justiça (STJ) e principalmente Procuradoria-Geral da República (PGR), em que Lula sempre indicou o mais votado da lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), para preservar a autonomia do Ministério Público.


Após ano difícil, a inflação bate 6%, o desemprego, 10 milhões de pessoas, e não há aumento real do salário mínimo há anos. Estimam-se 33 milhões passando fome e, segundo o World Inequality Report, organizado por Thomas Piketty, que lidera os trabalhos do laboratório das desigualdades mundiais, somos a 11.ª nação mais desigual do mundo, apesar de termos a 9.ª economia global.


O grave déficit de saneamento básico no Brasil impõe a priorização do tema como forma de enfrentar essa desigualdade, vez que o painel do saneamento revela que a população com água e esgoto tem renda quatro vezes maior que aquela que não os tem. Temos dez anos para atingir as metas do Marco Legal do Saneamento (Lei 14.026/20) – 99% da população com água e 90% com coleta e tratamento de esgoto, e estamos longe disso. Ou seja, não há dúvida da imprescindibilidade da responsabilidade social, sem jamais abrir mão da pressuposta responsabilidade fiscal.


Ao ser diplomado pela terceira vez, Lula não pronunciou vez alguma o termo corrupção nas 1.144 palavras ditas em seu discurso, e isso se repetiu em ambos os discursos em sua posse ontem, mas a escolha de respeitado jurista para o Ministério da Justiça representa renovação da perspectiva de construção de uma inédita política pública anticorrupção, essencial diante do desmonte no último governo e pela força de obstrução da corrupção às demais políticas públicas.


Cabe a Lula o comando responsável do País, a partir da experiência de vida que acumulou, para nos recolocar no mapa do mundo, unindo e pacificando o Brasil e cerzindo tecidos sociais esgarçados. Não é razoável torcer para não dar certo, nem fingir que esquecemos seu passado. Que seja honrado o voto de confiança recebido neste pacto pela democracia.


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