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A epopeia do desmonte do sistema de integridade

  • Foto do escritor: Instituto Não Aceito Corrupção
    Instituto Não Aceito Corrupção
  • 28 de out.
  • 3 min de leitura

Retrocessos legislativos e decisões políticas enfraquecem controles, corroem instituições e comprometem a integridade pública

 

Articulista afirma que a falta de uma política pública anticorrupção agrava ainda mais esse quadro crítico no que se refere à promoção da integridade pública no Brasil; na imagem, o Congresso Nacional

 

Roberto Livianu 28.out.2025 (terça-feira) - 5h57

 

Oauge da Mani Pulite na Itália nos anos 1990 criou a percepção de ruptura da certeza da impunidade da corrupção do andar de cima, já que os ali supostamente intocáveis foram responsabilizados. O corpo político reagiu, aprovando leis que tornaram pó os avanços cidadãos conquistados, diante da letargia social. 

 

Em nível global, em 1997 e 2003, foram assinadas as convenções da OCDE e da ONU, importantes instrumentos internacionais que comprometem as nações com a luta anticorrupção. Apesar de ser subscritor de ambas, neste campo no Brasil, na prática, a realidade é de total descompromisso.

 

Tivemos uma cronologia favorável, com exemplos importantes de instrumentos consolidados ao longo dos últimos anos para a proteção do patrimônio público no Brasil:


1992 – Lei de Improbidade;

2010 – Lei da Ficha Limpa;

2016 – Lei das Estatais.


Entretanto, depois que despontaram os primeiros resultados do trabalho da Lava Jato, em 2014, começaram as movimentações visando à obstrução política do enfrentamento à corrupção (como se a corrupção tivesse simplesmente desaparecido, diante dos pecados da Lava Jato). Tudo piorou especialmente quando chegaram ao Congresso as 10 medidas contra a corrupção.

 

As proposições foram, em bloco, consideradas afrontosas ao Congresso. Em uma sessão realizada na noite em que o país chorava a tragédia da queda do avião que matou os atletas da Chapecoense, as propostas foram literalmente estraçalhadas, e começou a tramitar a 1ª ação de retaliação: um projeto para supostamente atualizar a Lei de Abuso de Autoridade, que vigorava desde 1965, ainda na ditadura militar.

 

Aprovou-se um projeto repleto de dispositivos inconstitucionais, com nítido propósito de vingança política contra magistrados e integrantes do Ministério Público, que não continha qualquer tipo penal prevendo punições específicas para congressistas. Inaugurava-se a construção de um escudo garantidor de impunidade por força de lei, desencorajando aqueles que tinham atribuições para agir processualmente em face de congressistas. 

 

Em 2021, mediante urgência de votação, aprovou-se a toque de caixa a Lei 14.230 de 2021, que desfigurou a Lei de Improbidade, sonho dourado dos ímprobos. O novo diploma instituiu a exigência de enumeração taxativa para responsabilização de atos de improbidade por violação de princípios, dando feições de norma penal a uma lei não penal, eliminando-se a possibilidade de punir improbidades culposas. Criou-se a figura da prescrição retroativa e estabeleceu-se um prazo exíguo para o Ministério Público investigar, mesmo que o caso seja complexo e que haja dezenas de investigados.

 

O propósito de desmonte da lei era indisfarçável. De 2021 para cá, houve queda de 90% do número de ações civis públicas embasadas na Lei de Improbidade, evidenciando-se terem os mal-intencionados atingido o intento. 

 

Mas em 21 de setembro, aquelas energias cidadãs que nos fizeram sonhar em junho de 2013 foram revividas, porque as pessoas voltaram às ruas para se posicionar contra a PEC da Blindagem, em manifestações amplas e pluralistas, com a presença de artistas históricos e porta-vozes de várias gerações.

 

A mobilização repercutiu no Senado, diante da inacreditável proposição aprovada na Câmara, na calada da noite, sem exame de comissões, sem audiências públicas, no sentido de exigir a prévia autorização do Congresso para que congressistas fossem responsabilizados por crimes. Ela foi arquivada no Senado, que a considerou afrontosa à Constituição, por 26 votos a zero.

 

Mas no dia seguinte todos precisaram voltar à vida normal, e assim, infelizmente, a Lei da Ficha Limpa teve seu enfraquecimento sancionado pelo presidente. Mais recentemente, a Comissão de Ética da Câmara arquivou um processo contra o deputado Eduardo Bolsonaro, declarando que este não deve ser cassado por abandonar o mandato e por conspirar no exterior contra os interesses do país. 

 

O preocupante silêncio dos bons, segundo Martin Luther King, entre nós especialmente perceptível no pós-Lava Jato, deriva de um misto de apatia social com um certo desbotamento do sistema democrático. A falta de uma política pública anticorrupção agrava ainda mais esse quadro crítico no que se refere à promoção da integridade pública no Brasil.

 
 
 

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