Surgem não apenas novas formas de atender às necessidades humanas, mas também mudam as atividades ilícitas destinadas a obter riqueza de maneira insidiosa
Parece intuitivo afirmar que, para uma atividade econômica ser viável, é necessário que os riscos a ela inerentes sejam compensados com as vantagens econômicas, proporcionando uma superação dos investimentos em matéria-prima, recursos humanos e, dentre outros, os custos de segurança e proteção contra ataques.
Em um cenário de intensa mudança nas formas de interação da sociedade, o que passa pela superação das fronteiras, alteração dos métodos de produção e geração de riqueza, estamos nos deparando, sobretudo após a pandemia da Covid-19, com a digitalização e virtualização dos ambientes de negócio e interação social.
Com isso, naturalmente, surgem não apenas novas formas de atender às necessidades humanas, mas também mudam as atividades ilícitas destinadas a obter riqueza de maneira insidiosa. Essa nova forma de agir daqueles que optam por caminhos curtos de obtenção de proveito econômico tem sido chamada de "cibercrime".
Essas condutas vão desde roubos digitais (como de senhas de cartões de crédito, dinheiro em conta e até mesmo conteúdo intelectual), passam por transações ilícitas, como drogas e tráfico de animais, e chegam à elaboração e venda de verdadeiras ferramentas de ataques para explorar as fragilidades sistêmicas.
Estudo realizado pela empresa de pesquisa Cybersecurity Ventures revela que os custos do cibercrime irão atingir 10,5 trilhões de dólares anuais até 2025, o que traz enormes entraves ao desenvolvimento da economia mundial.
Essa preocupação já levou à assinatura de um tratado para aprimorar a estrutura normativa destinada a prevenir e combater esses atentados: a Convenção de Budapeste, à qual o Brasil aderiu em 2021.
Normas são muito importantes como um primeiro passo à prevenção e ao estancamento de atividades criminosas, mas nem de longe são suficientes. Isso porque de nada adianta haver previsões abstratas de instrumentos e crimes se não houver sua efetiva implementação. Além de ser necessária uma estrutura estatal destinada a fiscalizar ambientes digitais e investigar crimes, é indispensável haver uma colaboração da iniciativa privada para promover ambientes íntegros e para colaborar nas investigações.
A cooperação é um aspecto intrínseco à vida em sociedade, potencializando sinergias, trocas de informações, recursos materiais e articulações intersubjetivas.
Convergência entre os setores público e privado
A atuação em rede, baseada na confiança entre as partes, começa a substituir a interação hierárquica típica da concepção de um Estado autoritário e centralizador.
Assim, as parcerias dos setores público e privado são, cada vez mais, a melhor forma de garantir a integridade e a segurança, o que se reafirma sobre crimes cibernéticos, que demandam uma alta capacidade de compreensão tecnológica e investimentos nem sempre disponíveis com rapidez para o Estado.
Nos Estados Unidos, essa percepção levou, há mais de 20 anos, à criação do NCFTA (National Cyber-Forensics and Training Alliance), uma aliança criada para promover um fórum de confiança entre o setor privado, as agências de persecução penal e a academia para atuar em fase dos crimes cibernéticos.
Nesse ambiente, cada parcela da sociedade apresenta suas necessidades e preocupações, e soluções neutras e colaborativas são pensadas com todo o aparato disponível que, de uma forma simplificada, são: pesquisas pelas universidades, políticas públicas e investigações pelo Estado e investimentos e conhecimento pelos agentes econômicos. Brasil deu seus primeiros passos nessa trilha
Em março de 2022, a FEBRABAN (Federação Brasileira dos Bancos) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública assinaram um Acordo de Cooperação Técnica para o desenvolvimento de medidas preventivas, educativas e de repressão aos crimes cibernéticos e de ataques de alta tecnologia, tendo em vista os enormes prejuízos que o setor financeiro tem enfrentado com as fraudes eletrônicas.
Como consequência, a Polícia Federal criou a Unidade Especial de Investigação de Crimes Cibernéticos, mas outras ações ainda são necessárias.
Outro exemplo de cooperação tem sido a constante colaboração das empresas do setor audiovisual com os órgãos de investigação no combate à pirataria, ensejando a deflagração de importantes ações, como a Operação 404.
A colaboração do setor privado na prevenção e no combate aos crimes digitais ainda é tímida, mas os bons resultados que têm sido obtidos devem servir de estímulo a um maior envolvimento do poder econômico e das Universidades com a necessária criação de instrumentos (tecnológicos, normativos e operacionais) implementação de uma maior segurança digital. Trata-se de uma conscientização sobre a responsabilidade coletiva na manutenção da sustentabilidade de todo e qualquer ambiente que, em última instância, traz enormes benefícios aos próprios agentes econômicos, inclusive financeiros.
*Integridade e Desenvolvimento é uma coluna do Centro de Estudos em Integridade e Desenvolvimento (CEID), do Instituto Não Aceito Corrupção (INAC). Os artigos têm publicação semanal.
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