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A Lei da Ficha Limpa sob ataque

  • Foto do escritor: Instituto Não Aceito Corrupção
    Instituto Não Aceito Corrupção
  • 16 de abr.
  • 4 min de leitura

Direito e Política não são ciências exatas e, por isso, despertam não apenas elementos de ponderações no campo da racionalidade, mas, também, paixões que podem obnubilar a visão daqueles que vivenciam os fenômenos em questão

 

Por Rodrigo Augusto Prando

16/04/2025 | 06h00

Atualização: 16/04/2025 | 07h45

 

O tema da corrupção é, como muitos sabem, multifacetado. Há visadas teóricas distintas na abordagem desse fenômeno: aspectos sociais, culturais, jurídicos, políticos, institucionais, entre tantas outras possibilidades.

Recentemente, a Lei da Ficha Limpa tornou-se, novamente, alvo de ataques de setores da classe política. Um projeto de lei complementar (PLP) de autoria do deputado Bibo Nunes (PL-RS) objetiva diminuir o tempo que um candidato precisa ficar sem disputar as eleições, ou seja, suprimir o tempo de inelegibilidade de oito para dois anos. O deputado Nunes é aliado político do ex-presidente Jair Bolsonaro e, inclusive, Bolsonaro está inelegível por oito anos. Nas palavras de Nunes:

“Oito anos de inelegibilidade é um absurdo, é muito. O político corrupto, criminoso, tem que ser punido pelo rigor da lei, com o Código Penal, com a lei da improbidade administrativa, com a justiça comum. O que acontece é que aumentaram de três anos para oito. Começou em 1990 com três anos, depois em 2010, na ficha limpa, aumentaram para oito anos”.

Na obra intitulada “Doze leis de combate à corrupção – Hércules em terras brasileiras”, organizada por Rita Biason e Roberto Livianu, publicado pela Editora Mackenzie, em 2023, temos o capítulo de Márlon Reis dedicado à Lei da Ficha Limpa. Reis assevera que:

“A Lei da Ficha Limpa constitui um marco na história da democracia participativa e direta no Brasil. Trata-se do maior case de mobilização política não liderada por agentes políticos e sem ostentar objetivos partidários. [...] A iniciativa foi pautada por uma ação objetiva, não subjetiva. Não se tratava de imputar a uma ala partidária ou outra a responsabilidade pelos múltiplos desvios observados pelos integrantes de qualquer hoste ideológica, baseadas em elementos concretamente colhidos a partir da análise de sua vida pregressa, seguindo estrita determinação constitucional”

E mais:

“Em todos os passos dessa iniciativa popular, as medidas por ela engendradas foram alvos de vigorosos ataques [...]. Entretanto, o quadrante atual da conjuntura revela um aumento da influência dos segmentos políticos que não se adaptaram aos postulados introduzidos na legislação pela Lei da Ficha Limpa”.

Para muitos, a proposta do Deputado Nunes é eivada de casuísmo, já que busca, com essa mudança, aliviar as sanções sofridas por Bolsonaro e, com isso, reabilitá-lo para disputar a eleição vindoura, em 2026. Nunes, destaque-se, faz seu papel parlamentar, propõe um Projeto de Lei – no caso, complementar – e, ideologicamente, defende o ator político cuja identificação ideológica nunca foi camuflada.

Não há, na vida social, departamentos ou gavetas onde se possam organizar disciplinas ou temas importantes: gaveta do Direito, gaveta da Política, gaveta dos temas culturais, etc. Desta forma, temos, no caso em tela, uma conjugação de aspectos jurídicos (a Lei da Ficha Limpa) com a dimensão política (a busca de reverter a inelegibilidade de Bolsonaro). Direito e Política não são ciências exatas e, por isso, despertam não apenas elementos de ponderações no campo da racionalidade, mas, também, paixões que podem obnubilar a visão daqueles que vivenciam os fenômenos em questão. Se, de um lado, bolsonaristas fazem e farão de tudo para contar com seu líder maior nas eleições; do outro, há os opositores políticos e os que, no bojo da sociedade civil, independente de coloração político-partidária, defenderão a manutenção dos critérios da Lei da Ficha Limpa, uma lei com DNA de participação popular e de movimentos de combate à corrupção.

Em artigo no site “Poder 360”, em 11/2/25, Roberto Livianu, Procurador de Justiça e Presidente do Instituto Não Aceito Corrupção, aduziu, enfaticamente, que:

“O PL de Bibo Nunes é ato abusivo no campo do legislativo, verdadeiro acinte, verdadeiro gesto de escárnio ao povo. Equivaleria condenar um assaltante de banco à pena de cestas básicas ou um latrocida à prestação de serviços à comunidade. Penas ineficazes. No caso específico de Bolsonaro, condenado pela Justiça por abuso de poder político, desafia-se obviamente o Judiciário. Este projeto representa afronta escancarada ao princípio constitucional de separação de poderes.”

O fulcro da questão é que a alteração da lei – proposta por Bibo Nunes – teria, em primeiro lugar, a consequência de trazer Bolsonaro para o jogo político vindouro; todavia, em cascata, chegaria aos demais políticos que, condenados, teriam não os oito e sim dois anos de inelegibilidade. Novamente: o deputado age politicamente motivado. E isso não significa que a motivação seja suficiente para conquistar apoios e que não tenha uma forte resistência na sociedade brasileira.

Pouco duvidam que a Lei da Ficha Limpa é conquista não apenas jurídica e sim civilizacional do Brasil. O ex-presidente Bolsonaro enfrenta, no momento, o indiciamento pela Procuradoria Geral da República e, não faz muito, entregou sua Resposta Preliminar ao Supremo Tribunal Federal. Sua trajetória política, agora, encontra-se imbricada na esfera jurídica e tal fato será, nos próximos meses, objeto de intenso debate e mobilização das paixões política. O ataque à Lei da Ficha Limpa é uma dentre as várias estratégias colocadas no campo das narrativas políticas e do cabedal jurídico nacional.

Veremos, no decorrer do tempo, como esse processo político e jurídico se desdobrará e os impactos para as instituições, para a democracia e para a sociedade brasileira.

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica

 

 
 
 

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