A transparĂȘncia como direito essencial
- Instituto Não Aceito Corrupção
- 11 de mai. de 2023
- 4 min de leitura
Por José Horåcio Halfeld Rezende Ribeiro*
17/04/2023 | 05h00
A transparĂȘncia Ă© muito mais do que deixar publicamente disponĂvel uma informação ou garantir o direito de acessĂĄ-la. Trata-se de uma conduta, de uma forma de agir, especialmente dos detentores de cargos de gestĂŁo, entes hierarquicamente superiores, lĂderes e formadores de opiniĂŁo, associaçÔes e organizaçÔes de natureza privada, independentemente de serem destinatĂĄrias de recursos pĂșblicos. Isso porque todo o cidadĂŁo tem o compromisso com a transparĂȘncia, nĂŁo sendo uma via de mĂŁo Ășnica a partir da administração pĂșblica.
O oferecimento de dados de forma organizada pela inciativa privada Ă© uma providĂȘncia essencial para eficiĂȘncia em diversos setores como no caso da ĂĄrea da saĂșde, onde hĂĄ uma enorme atuação em mercados privados, e que podem orientar a adoção de prĂĄticas, bem como um planejamento.
Nesse aspecto, podemos aplicar uma distinção entre a atividade que tenha carĂĄter pĂșblico, daquela de interesse pĂșblico. Ou seja, basta que haja o interesse pĂșblico para justificar a adoção do modelo jurĂdico da transparĂȘncia, porque o benefĂcio Ă© da sociedade.
Ă indiscutĂvel que a transparĂȘncia deve ser uma regra no Ăąmbito da administração pĂșblica, porĂ©m nĂŁo se limita somente ao governo, Ă s atividades estatais, ou aos recursos pĂșblicos. A transparĂȘncia deve ser muito mais do que dar acesso e muito alĂ©m do conhecimento somente da gestĂŁo financeira e informação sobre recursos pĂșblicos.
A transparĂȘncia deve abranger todos os dados do setor pĂșblico, desde que nĂŁo estejam protegidos por sigilo especificado por lei.
O conceito de transparĂȘncia tem sido compreendido e regrado de forma limitada, quando na verdade Ă© a representação de um padrĂŁo a ser seguido, a concepção de paradigma no qual os membros de uma comunidade partilham do mesmo conceito.
No Brasil, a Lei nÂș 12.527/2011 regulamenta o direito constitucional de acesso Ă s informaçÔes pĂșblicas previsto no inciso XXXIII do art. 5Âș: "todos tĂȘm direito a receber dos ĂłrgĂŁos pĂșblicos informaçÔes de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serĂŁo prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindĂvel Ă segurança da sociedade e do Estado;".
NĂŁo hĂĄ dĂșvida que a lei representa um avanço fundamental, mas deve ser repudiada a demora na sua edição considerando que a Constituição foi promulgada em 05 de outubro de 1988, em nada se justificando uma demora de 23 (vinte e trĂȘs) anos na edição da lei. Principalmente porque jĂĄ naquela Ă©poca a corrupção era uma grande preocupação, valendo citar parte do Discurso proferido, na sessĂŁo de 5 de outubro de 1988, pelo Deputado Ulysses GuimarĂŁes que presidiu a Assembleia Nacional Constituinte do Brasil: "A vida pĂșblica brasileira serĂĄ tambĂ©m fiscalizada pelos cidadĂŁos. Do Presidente da RepĂșblica ao Prefeito, do Senador ao Vereador. A moral Ă© o cerne da PĂĄtria. A corrupção Ă© o cupim da RepĂșblica. RepĂșblica suja pela corrupção impune tomba nas mĂŁos de demagogos, que, a pretexto de salvĂĄ-la, a tiranizam. NĂŁo roubar, nĂŁo deixar roubar, pĂŽr na cadeia quem roube, eis o primeiro mandamento da moral pĂșblica."
De toda a sorte, esse grave problema demonstrou que a corrupção rouba a esperança e a oportunidade das pessoas que mais precisam do apoio do Estado para viver com dignidade e se desenvolver.
Quando o Estado paga um valor superfaturado por uma obra pĂșblica, deixarĂĄ de investir esse recurso em outras ĂĄreas, e, por conseguinte, deixarĂĄ de prover adequadamente as verbas para a saĂșde e a educação, por exemplo, estabelecendo um patamar muito abaixo do razoĂĄvel no atendimento dessas polĂticas pĂșblicas.
E sem transparĂȘncia, nada disso pode ser constatado e combatido adequadamente.
Nesse cenĂĄrio, Ă© impressionante o descompasso do tratamento jurĂdico que Ă© muito aquĂ©m da necessidade da sociedade de ter eficĂĄcia com a transparĂȘncia, que nĂŁo se resume ao combate ou prevenção contra a corrupção, mas de eficiĂȘncia na prestação do serviço pĂșblico garantindo a dignidade da pessoa humana.
Os portais de transparĂȘncia sĂŁo um fetiche do poder pĂșblico que apresenta essa providĂȘncia como um trofĂ©u, como um grande feito, quando na verdade Ă© uma exigĂȘncia elementar.
Sem dĂșvida, instrumentos de coleta de dados, nĂŁo somente softwares, mas tambĂ©m a ouvidoria, sĂŁo o primeiro passo, pois nĂŁo se pode tratar de algo que nĂŁo se conhece. Sem dados nĂŁo Ă© possĂvel fazer nenhuma anĂĄlise, nem criar modelos para tratar das situaçÔes recorrentes, pois o grande desafio da sociedade moderna Ă© cuidar do volume de açÔes e informaçÔes decorrente da atividade de bilhĂ”es de seres humanos.
Num paĂs, sempre haverĂĄ milhares de pessoas relacionando-se com um determinado segmento do atendimento pĂșblico que deve ter a obrigação de coletar os dados para que seja possĂvel estabelecer polĂticas pĂșblicas em prol da eficiĂȘncia na prestação do serviço pĂșblico.
Portanto, os princĂpios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade estabelecidos no art. 37 da Constituição Federal do Brasil nunca serĂŁo efetivamente aplicados se nĂŁo houver transparĂȘncia, pois serĂĄ com transparĂȘncia que poderĂĄ ser verificado se a lei estĂĄ sendo cumprida e se hĂĄ desvios, bem como se o tratamento das pessoas estĂĄ sendo igualitĂĄrio e impessoal.
*JosĂ© HorĂĄcio Halfeld Rezende Ribeiro, bacharel, mestre em Direito Civil Comparado e doutor em Direito Comercial pela Faculdade de Direito da PontifĂcia Universidade CatĂłlica de SĂŁo Paulo - PUC-SP. Professor de Direito Comercial da PUC-SP. Presidente HonorĂĄrio da Federação Nacional dos Institutos dos Advogados do Brasil
Este texto reflete Ășnica e exclusivamente a opiniĂŁo do(a) autor(a) e nĂŁo representa a visĂŁo do Instituto NĂŁo Aceito Corrupção
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