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A ética nas profissões: as carreiras jurídicas em foco

Cláudia Elisabete Schwerz*

09 de setembro de 2022 | 12h00


A ética no exercício das profissões é tema relevante não somente naquelas que dialogam com o Poder Público, mas também relativamente aquelas atividades que se inserem no âmbito privado, quando a estrita observância da lei em contraste com aqueles que adotam conduta dissonante, tem o condão de mitigar a concorrência, como por exemplo, o preço praticado por empresa que sonega tributos certamente é inferior àquela que cumpre as normas tributárias.


Não obstante, a abordagem do presente artigo tem como foco as carreiras jurídicas.


E nesta perspectiva, a imparcialidade, a impessoalidade dos integrantes da Magistratura, dos membros do Ministério Público e a correspondente conduta ética e leal dos Advogados são qualidades e princípios imprescindíveis para conferir rendimento ao devido processo legal.


O devido processo legal, insculpido no art. 5º, LIV, da Carta Magna, aduz que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal” tem origem no direto anglo-saxão (conhecido pela expressão inglesa due process of law), constitui-se um supra princípio, um princípio síntese, que contempla um conjunto de cânones que conforma o Estado-juiz aos valores contidos e defendidos pela Constituição Federal.


A Constituição Federal ao garantir o amplo acesso à justiça, deve assegurar um método de atuação do Poder Judiciário e dos operadores do direito envolvidos, com regras preestabelecidas, que assegurem o contraditório, ampla defesa, de larga e paritária participação e influência, direito a produção probatória em processo que tenha uma duração razoável, dentre outras garantias. Em verdade, a Constituição Federal pátria indica um conteúdo mínimo do devido processo legal constitucional.


Neste contexto, os Operadores do Direito, sejam eles juízes, sejam eles integrantes do Ministério Público, Advogados ou Auxiliares da Justiça devem se conformar substancialmente com o supra princípio do devido processo legal, que contempla todas as garantias do processo, e não apenas com a sua formal observância.


Dos diversos subprincípios que integram o due processo of law, destaca-se o sagrado princípio do contraditório, que tem o escopo de viabilizar a participação qualificada e paritária dos sujeitos processuais durante todo o processo.


A fim de conferir rendimento ao princípio em tela, é preciso que sejam criadas condições reais de seu exercício e não de sua previsão meramente formal do exercício do contraditório. Agregou-se, então, ao princípio do contraditório a percepção de que as partes processuais devem participar do processo em condições de influir na decisão jurisdicional a ser prolatada pelo juiz, com oportunidades iguais.


Outrossim, neste mister, como se verifica, por exemplo das normas contidas nos arts. 9º e 10 do Código de Processual Civil de 2015, houve incremento ao princípio do contraditório na medida em que lei aludida introduziu a vedação à decisão surpresa, exigindo o debate dos temas, ainda que se trate de matérias de ordem pública.


Como é cediço referidas matérias de ordem pública admitem que o juiz as conheça de ofício. A proibição de decisão surpresa, ainda nestes temas determina que o juiz deverá dar oportunidade às partes se manifestarem. Naquele diploma legal, há a previsão de honrosas e necessárias exceções, que dizem respeito às hipóteses de tutela de urgência (sejam elas cautelar ou antecipação de tutela) ou de tutela de evidência, prevista no art. 311, II e III do Código de Processo Civil.


O devido processo legal deve ser observado com rigor, pois se trata de verdadeira conquista civilizatória da humanidade e não pode ser relativizado sob argumentos populistas. Trata-se de cânon que tem a função de acudir quem pede e quem se defende em Juízo.


É neste ambiente constitucional que a insuficiência de prova não autoriza a condenação do réu, por mais que a opinião pública, ou parte dela, possa bradar em sentido contrário, embebida na propaganda ideológica que tanto agrada quem cobiça o Poder, e tão facilmente manipula quem procura a solução fácil e mágica do herói que não existe.


Permitir que os operadores do Direito, em especial Magistrados e Promotores atenuem o Devido Processo Legal é admitir que a normas constitucionais sejam arranhadas e a ética preterida, e sobretudo causem o descrédito de instituições tão relevantes aos quais integram, e ainda, contaminar os resultados relevantes dos processos em que atuam.


É o que a Nação brasileira testemunhou com a Lava Jato.


Não se retira a importância que a Operação Lava Jato teve no combate à corrupção. O problema foram os excessos que desaguaram do escuro argumento de justificar o injustificável: olvidar o devido processo legal para obter um fim, aplicando a velho e combatido brocardo popular que os fins justificam os meios.


Neste diapasão, a Operação Lava Jato tornou-se um tribunal de exceção, por não se submeter as regras de processo, transcendo as fronteiras da lei, com afronta ao devido processo legal.


Tanto o Advogado, quanto o Promotor de Justiça deve ter tratamento paritário pelo Juiz, ambos têm igual direito de influir no julgamento do magistrado por meio de postulações e provas, sem privilégios, nem preterições. Isto sim é concretizar efetivamente o princípio do contraditório e garantir o princípio da isonomia.


O princípio da isonomia significa o dever de o Estado-juiz tratar de modo igualitários litigantes, conferindo-lhes oportunidade igual de manifestação, com paridade de armas.


O que se viu na Lava Jato foi uma forte e indevida aproximação da Procuradoria (Promotor de Justiça Federal) com o juiz da causa, com diálogos alinhados, cuja conduta comum parecia divergir da busca da verdade real, escopo do processo. Acresce que a defesa do acusado restou prejudicada com fissuras ao princípio do contraditório.


Ao invés de igualdade de tratamento entre acusador e defesa, constatou-se o vazamento de informações e de áudios obtidos em sigilo em momento estratégico eleitoral, dentre outros. A apresentação em PowerPoint em rede nacional de informações oriundas de processo judicial por Promotor de Justiça também revela conduta não albergada pelo devido processo legal.


A verdade é que o aludido alinhamento de juiz e promotor violaram o basilar princípio do contraditório e da imparcialidade que devem nortear a atividade de todo Magistrado, impondo-lhe tratar as partes com isonomia, sem desequilibrar as forças de sua atuação no processo. Tal situação se mostra ainda mais grave quando se trata do Direito Penal, cuja pena atinge a pessoa do acusado.


A emblemática operação Lava Jato gerou processos que foram sistematicamente desrespeitando as normas basilares mínimas do processo. Houve a execração pública dos acusados, desrespeito a prazos fixados pela lei, condutas coercitivas realizadas sem a prévia ciência da pessoa a ser ouvida, etc.


A verdade é que os abusos e os excessos praticados no âmbito dos processos conhecidos por serem oriundos da operação Lava Jato, aniquilaram ou soterraram os benefícios inicialmente trazidos pelo combate à corrupção. Além de configurar um perigoso precedente, máxime nos casos penais de grande repercussão, em que a presunção de inocência é indevidamente preterida pelo apelo midiático, que produziu um processo arbitrário.


O devido processo legal deve ser respeitado independentemente de quem sejam os acusados, em respeito às garantias e aos direitos fundamentais.


Cumpre, agora tratar do tema no âmbito civil.


O Código de Processo Civil oferece instrumental para assegurar a imparcialidade do juiz, consoante aduzem os arts. 144 e 145, estabelecendo as hipóteses de suspeição e impedimento, dentre outros dispositivos legais, inclusive de status constitucional, como preconiza o art. 95, parágrafo único da Constituição Federal que proíbe ao juiz exercer outro cargo ou função (exceto o de magistério).


Além da aplicação do direito ao caso concreto, o Juiz deve abordar com respeito e sensibilidade o Jurisdicionado, incumbindo-lhe desenvolver comunicação respeitosa, distante de qualquer tipo de preconceito.


Neste sentido, o Brasil testemunhou estarrecido Magistrado, em audiência que abordava violência doméstica, que dizia “se ele bateu é porque teve motivo”, “não tô nem aí para a Lei Maria da Penha”. Ao lado da lamentável conduta do Juiz, o silêncio do membro do Ministério Público não passou despercebido.


A este propósito, cabe resgatar a memorável ideia de Martin Luther King que o silêncio dos bons reforça a reprovável conduta dos maus.


Por outro lado, não se pode deixar de trazer a lume a conduta das Partes, por seus respectivos Advogados, que devem atuar com lealdade processual. Nesta esteira, é vedado à Parte litigante, à guisa de exemplo, a instauração de incidentes infundados no processo judicial. O art. 80 do Código de Processo Civil apresenta o rol de comportamento processual considerado de má-fé, destacando-se a alteração da verdade dos fatos, utilização do processo para conseguir objetivo ilegal, interposição de recurso com intuito manifestamente protelatório, dentre outros.


A conduta temerária das Partes litigantes deve ser alvo de sanção pelo juiz, inclusive com finalidade pedagógica, buscando desestimular a sua reiteração.


Não se nega a dificuldade de identificar-se, muitas vezes, o excesso na conduta processual, diante da dispersão exagerada da jurisprudência, que amiúde, pode legitimar determinado ato, retirando as suas vestes de má-fé. Contudo, nas hipóteses em que não há dúvida da conduta temerária praticada pelas partes, a sanção como meio destinado a arrefecer a contumácia deve ser adotada, sem demora.


Releva enfatizar que as medidas voltadas para desencorajar a conduta temerária e ilegal dos operadores do direito são necessárias e imprescindíveis.


Neste aspecto, merece crítica a previsão legal de aposentadoria ou simples transferência de lugar, de comarca, dos integrantes da magistratura, como medida sancionatória para casos graves. Ou ainda dos membros do ministério público, como solução para a grave conduta ilegal junto ao processo judicial. É preciso a atualização da lei para coibir atos como do Juiz que trata de forma desrespeitosa e ilegal a vítima de violência doméstica, como antes citado.


Além da conduta proba, elementar e imprescindível, exige-se dos operadores do direito um comportamento ético e respeitoso dirigido a todos que participam do processo.


É aspiração de todos, que o servidor público, o agente público, aquele que assume função de Poder, nas mais diversas esferas, empenhe-se efetivamente no desenvolvimento de suas atividades, devendo cumprir com zelo, diligência, ética, respeito e em observância às normas e princípios constitucionais e infralegais.


A Justiça é tarefa de toda a sociedade!


E não se alcança a Justiça se não houver a busca da verdade desapaixonada, não se atinge a Justiça sem respeitar os princípios elementares do devido processo legal. É no equilíbrio que a Justiça encontra morada. É nesta conformação que reside a Ética.


*Cláudia Elisabete Schwerz, doutora e mestre em Direito, professora da PUC/SP, presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP. Membro do IBDP. Palestrante. Advogada


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac).


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