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Arapongagem na Abin paralela

ROBERTO LIVIANU 30 JANEIRO 2024 | 3min de leitura

 

Naquela histórica e fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020, quando um sombrio Brasil foi redescoberto, mais de 500 anos depois da chegada de Pedro Álvares Cabral, o ex-presidente Bolsonaro foi enfático: não hesitarei em usar o poder para proteger minha família e os meus.

 

Havia recados ao então ministro da Justiça Sergio Moro, mas principalmente a explicitação de um modus operandi político de submeter as instituições republicanas a seus desejos e caprichos. Em vez de contratar um advogado para seu filho, às voltas com problemas na Justiça, era mais fácil usar abusivamente do poder.

 

Aliás, vale lembrar que na mesma reunião, um dos participantes, o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, pontuou a tese da “boiada”, segundo a qual era propícia a oportunidade da pandemia para se aproveitar e aprovar projetos de interesse canhestro do governo, enquanto a mídia cobria a tragédia que absorvia também a atenção da opinião pública.

 

Ou seja, enquanto imprensa e sociedade se preocupam com o drama e as mortes da pandemia, aprovemos, com uso de recurso que impossibilita a defesa da sociedade, pelas costas, projetos oportunistas bons para o governo e danosos ao meio ambiente.

 

Que princípios constitucionais da impessoalidade, da moralidade administrativa ou da prevalência do interesse público são esses? O único princípio válido era o velho e bom “quem manda aqui sou eu”, que nos tempos do absolutismo francês era denominado “L’État c’est moi” que teve desfecho mundialmente conhecido –a queda da Bastilha, a Revolução Francesa, que marcou para sempre a história da civilização.

 

Eis que passados alguns anos, agora vem à tona a suposta existência de uma Agência Brasileira de Inteligência “paralela”, que prestava serviços obscuros de arapongagem, para espionar adversários políticos –consta que teriam ocorrido 30.000 monitoramentos a pessoas como o ex-presidente da Câmara Rodrigo Maia, o atual ministro da Educação e ex-governador do Ceará Camilo Santana e a ex-deputada federal Joice Hasselmann, que se tornou desafeta do ex-presidente.

 

Lamentavelmente, as evidências que estão surgindo mostram que tais atividades foram facilitadas diante da manietação da então PGR (Procuradoria Geral da República) e da Direção Geral da Polícia Federal, subservientes ao ex-presidente da República. Os fatos demonstram o acerto do recente relatório da OCDE, quando sugere a necessidade de estabelecer salvaguardas constitucionais para proteger a PGR das variabilidades do poder. A lista tríplice, a exemplo dos Estados e a quarentena do PGR podem ser um bom começo.

 

O esperneio do investigado, filho do ex-presidente e seu ex-todo poderoso ministro da propaganda (apelidado de “gabinete do ódio”), é sintomático. Nenhuma novidade em absoluto, mas ninguém está acima da lei e ele deve ser investigado, como qualquer mortal. Aliás, é fato notório e repetitivo que atitudes ilícitas vêm à tona depois que um ciclo de poder se encerra, pois podem, naturalmente, aí ter início as investigações.

 

Começa a se compreender a razão da insistência de Bolsonaro no nome do delegado Ramagem para dirigir a Polícia Federal. O assunto foi judicializado e o STF bloqueou a nomeação por desvio de finalidade, que agora se confirma. Ao final, Ramagem, surfando na onda bolsonarista, conseguiu eleger-se deputado federal pelo Rio de Janeiro, onde pretendia se candidatar a prefeito neste ano. Diante das graves revelações, é possível que essa conjuntura se modifique.

 

O ex-presidente da República exigiu que o presidente de seu partido se posicionasse com firmeza em relação ao STF no sentido de estar havendo suposta perseguição à sua família e ao Legislativo. Mas, por mais que Valdemar da Costa Neto o faça, não se pode brigar com a realidade dos fatos e das evidências, que se apresentam de forma contundente.

 

A dura e triste realidade desse caso da Abin paralela é que se pretendeu transformar um órgão de informação estratégica estatal em organismo de arapongagem, de investigação ilegal a adversários políticos, num odioso ato de sequestro das instituições republicanas.

 

Enfraqueceu-se gravemente a democracia, levando os professores de Harvard Ziblatt e Levistsky a incluir Bolsonaro no melancólico e vergonhoso rol de autocratas (ao lado de Trump, Erdogan da Turquia, Orbán da Hungria e Putin da Rússia) estudados na memorável obra “Como as democracias morrem”.

 

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