Eduardo Muylaert 12 Julho 2023 | 4min de leitura
Vários presidentes da República, em diversas partes do mundo, estão ameaçados de irem para a cadeia. Eles respondem a um sem-número de processos criminais perante a justiça comum e alguns já foram condenados. Como se dá essa passagem do posto mais honroso de uma nação à condição de condenado, ou mesmo de presidiário?
Muitos ocupantes de cargos públicos se embriagam com o poder e não conseguem enxergar nenhum limite. Acham que ainda prevalece a velha mentalidade de que dinheiro e poder são os únicos valores, e que podem comprar tudo e a todos.
Na disputa pelo poder, especialmente, há uma luta sem trégua para conservá-lo, num verdadeiro vale-tudo em que é preciso arranjar dinheiro para as alianças e as campanhas, e aí a tentação é muito forte de recorrer a expedientes ilícitos como a corrupção.
No absolutismo, antes da revolução francesa, os monarcas eram a fonte de toda autoridade, com poderes ilimitados. Para os déspotas, a vontade do príncipe fazia a lei. Um antigo brocardo inglês afirmava: The King can do no wrong. Não só o rei, na sua infinita sabedoria, não podia fazer nada errado, como nenhuma responsabilidade por dano podia ser atribuída a ele ou ao seu reino.
Os regimes constitucionais modernos, após o fim do século XVIII, são desenhados basicamente em torno da ideia de limitação e controle do poder. Isso se faz pelo reconhecimento e garantia dos direitos das pessoas, e pela divisão do poder em três campos, um que governa, outro que legisla e ainda outro que julga.
Se, em tese, o Legislativo e o Judiciário podem controlar os desmandos do Executivo e de seus dirigentes, algumas vezes é só depois que esses deixam os cargos que a responsabilização vai ser buscada. Não só os chefes do Executivo têm proteção legal e processual exacerbada, que dificulta a pronta responsabilização, mas no jogo do poder muitos órgãos e autoridades continuam se curvando às suas vontades, ainda que ilícitas.
Além do Legislativo, existe uma série de órgãos de controle da atividade de governo, como as controladorias e os tribunais de contas, por exemplo. Fazem parte, porém, do jogo político e acabam sofrendo as mesmas limitações.
Donald Trump é o primeiro presidente ou ex-presidente dos Estados Unidos a ser acusado criminalmente. Ele sobreviveu a dois processos de impeachment, foi processado várias vezes, considerado responsável por abuso sexual e teve sua empresa julgada culpada de sonegação. Agora, Trump, embora ainda seja um possível candidato na próxima eleição presidencial, enfrenta sua primeira denúncia federal, com várias acusações, que chegam a 37. Além da posse ilegal de documentos protegidos por segredo de estado, responde por obstrução de justiça, que lá é um crime muito grave. Na esfera estadual responde ainda por crimes no distrito de Manhattan, envolvendo pagamentos para encobrir um potencial escândalo sexual que poderia prejudicar sua campanha à presidência.
Na França o ex-presidente Nicolas Sarkozy já foi condenado, em primeira e segunda instâncias, a três anos de prisão, sendo um sem sursis, num caso de escutas telefônicas ilegais em relação ao financiamento de sua campanha presidencial de 2007. Ele anuncia que vai recorrer à Corte de Cassação, que é a suprema corte francesa. Se não tiver sucesso, vai ter que usar uma pulseira eletrônica no lugar dos caríssimos Rolex de sua famosa coleção. Isso porque o Tribunal aliviou a condenação e permitiu prisão domiciliar. Teve também seus direitos políticos cassados.
Aqui no Brasil, o ex-presidente Fernando Collor está numa situação mais grave, pois o plenário do STF o condenou a oito anos e dez meses de reclusão, pela prática dos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Como não há mais recursos, ele deve ir para o regime fechado, a menos que consiga fugir do País.
É sem dúvida triste ver homens que foram eleitos democraticamente para governar seus países, e que nos representaram, serem condenados criminalmente, e eventualmente cumprirem penas. Há, porém, um certo alento em constatar que são casos em que os mecanismos constitucionais e penais de responsabilização estão funcionando e vencendo a tão decantada impunidade.
Prefiro me matar do que ir para a cadeia, me disse certa vez uma pessoa que temia ser processada por não poder pagar suas dívidas, o que em absoluto não era o caso. Talvez os exemplos que estamos vendo sirvam de exemplo para que outros governantes evitem a farra da ilegalidade, dos desmandos e da corrupção.
É um paradoxo que os príncipes de hoje, que receberam todas as homenagens, desfrutaram da vida em palácio e das viagens de luxo, estejam agora ameaçados de desfrutar das mazelas dos precários sistemas penitenciários pelos quais, com certeza, nada fizeram, pois cuidar dos presídios não traz dinheiro, popularidade e nem votos.
*Eduardo Muylaert, advogado e escritor
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