JOSÉ RENATO NALINI 26 JULHO 2023 | 3min de leitura
O senso comum atribui à "fraqueza da carne" as práticas de corrupção. Explicação insuficiente para justificar tamanhas e tão nefastas condutas inspiradas pela "auri sacra fames", ou a miserável fome de ouro. A ganância invencível, que leva seres humanos a patamares ínfimos, dos quais a ética foi banida ou morreu de inanição.
São tantos os péssimos exemplos, que os escrupulosos se enojam. Não podem acreditar que isso ocorra em pleno século 21 da era cristã, que surgiu como promessa de uma vivência fraterna.
O IBAMA, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis foi defenestrado na última gestão federal. Com a escancarada intenção de permitir que o maior patrimônio brasileiro, nossa exuberante biodiversidade, pudesse perecer de vez, vitimada pela cupidez de delinquentes sem alma. Sim, quem extermina o futuro está impedindo a continuidade da experiência humana sobre a Terra.
Com o retorno da filosofia de tutela ecológica, obrigação de todos, diante da explicitude do artigo 225 da Constituição da República, o IBAMA começou a se rearticular. E descobriu que os corruptos inauguraram nova espécie de fraude, chamada "rota inversa". A utilização de créditos virtuais de madeira, invenção destinada a proteger a floresta, foi desvirtuada pelos delinquentes. Um papel "bom" e confiável, serviu para práticas delitivas.
Esse mercado de créditos virtuais foi pervertido pela criminalidade organizada e cada vez mais sofisticada. Os certificados emitidos por fazendas que exploram legalmente a madeira foram cedidos a malfeitores que desmatam áreas protegidas.
Na operação "Metaverso", o IBAMA conseguiu bloquear 1,2 milhão de metros quadrados de madeira irregularmente extraída, o equivalente a quatrocentos e oitenta piscinas olímpicas. A fraude renderia aos delinquentes mais de dois bilhões de reais.
Gente graúda envolvida no esquema. Tanto que os inimigos da Pátria que obtêm esse lucro criminoso já se articulam para mobilizar os políticos profissionais que, em lugar de proteger o Brasil e as futuras gerações, preferem sua parte já e em material sonante.
Comprar votos de políticos para atingir objetivos imorais é uma forma bem utilizada pelos corruptores e muito bem aceita pelos corrompidos. O dinheiro compra a consciência de seres humanos destituídos de qualquer resquício de moral. Não hesitam em desafiar a lei e a falsificar certificados, tudo para se locupletar criminosamente.
O esquema da rota inversa da madeira ilegal é apenas um dos expedientes de que se servem os facínoras. Arquitetaram um plano bem elaborado e confiaram na desarticulação do IBAMA, um inimigo dos ecocidas, os que assassinam o ambiente e acreditam na impunidade. São até incentivados por inescrupulosos que chegam a comandar espaços de influência.
Aquilo que foi idealizado com boa finalidade está, agora, a serviço do mal. Fazendas do Centro-Oeste e Nordeste emitem créditos virtuais de madeira, sem que haja, necessariamente extração do produto. Esse crédito é vendido para outras fazendas, aquelas que praticam extração ilegal. Essa transação legitima - na gíria usual, "esquenta" - o produto ilegal e o crédito é usado para comercializar madeira irregular, extraída de forma delinquencial de áreas de proteção ambiental.
A ação do IBAMA identificou casos em que os créditos foram emitidos em Brasília e vendidos para Pernambuco. Em seguida, repassados para Rondônia, estado com alta incidência de exploração ilegal. Também se constatou caso de crédito emitido na Bahia e na Paraíba, posteriormente vendido para Rondônia.
Essa é uma das lutas dos ambientalistas e dos brasileiros de bem, contra toda uma filosofia "desenvolvimentista" de inimigos do amanhã, exterminadores do futuro. A corrupção passa a se travestir de legítimo interesse, pois se invoca a necessidade de converter a floresta em pé em pasto e depois deserto. Essa a vocação daquela vasta área, vítima da corrupção galopante e crescente destes cuja carne já não se pode dizer seja apenas "fraca". Ela está em acelerado processo de putrefação.
*José Renato Nalini é diretor-geral da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove, secretário-geral da Academia Paulista de Letras, mestre e doutor pela USP em Direito Constitucional
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica
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