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Como foi que nos perdemos?

JOSÉ RENATO NALINI* 06 NOVEMBRO 2023 | 4min de leitura


Em nossos dias, a corrupção passou a ser algo natural. Com a qual se convive sem asco. Inextirpável da condição humana? Estigma do pecado original, que tornou esta espécie impura e incorrigível?


Algo de muito insólito ocorreu no decorrer de algumas décadas. Sou de um tempo em que prefeitos eram escolhidos por suas qualidades pessoais, já evidenciadas em suas atividades profissionais. Um bom médico, que atendia a todos, sem se preocupar com seus honorários, era convidado a comandar também o seu município. Um industrial bem sucedido, respeitado e até amado por seus empregados, tinha tudo para desincumbir-se da vida local. E era assim que tais pessoas se elegiam. Constrangidas, até. Tinham prejuízo quando deixavam seus afazeres de lado, para cuidarem do interesse coletivo.


Saíam do governo, mais pobres do que quando haviam entrado. Mas gratificados pelo reconhecimento. A população sabia identificar os verdadeiros benfeitores.


Os vereadores, então? Eram pessoas que tinham o seu ganha-pão muito distanciado da política. Dispunham-se a exercer um múnus espontâneo e gratuito. Reuniam-se uma vez por semana para, à noite, discutir problemas da comunidade. Só tinham o ônus da vereança. O bônus era deixarem a função sob o aplauso da cidadania.


De repente, o que aconteceu? A política parece um território destinado a abrigar quem não tem o que perder. Pessoas de bem fogem dela. Virou profissão. Não existia, no Brasil daquele tempo, o “profissional da política”. Aquele que não tem outra atividade que não seja o desempenho do mandato.


O pior é que uma generalização perversa coloca no mesmo balaio o sem-número dos espertos e os raríssimos quadros que não perdem a compostura, que realmente se devotam à causa do bem comum. Conceito que perde identidade a cada ano que passa.


Bem comum: conjunto de condições da vida social que consintam e favoreçam o desenvolvimento integral da personalidade humana. Quantos são os políticos dos três níveis federais que realmente se enquadram no apostolado da consecução do interesse de todos?


O noticiário que dissemina o enriquecimento rápido de eleitos que chegaram ao exercício de cargos públicos é algo que desanima a juventude e a faz abominar a participação na vida política. E, na verdade, sem participar dela, compromete-se o que reste de decência na vida pública.


A inspiração partidária é saudável em sua origem. Se o pluralismo é uma das características da humanidade – não há homogeneidade na espécie racional: todos são heterogêneos, singulares e irrepetíveis - , natural existam distintas concepções do que deva ser a gestão dos interesses coletivos.


Só que o Brasil chegou a uma bizarra caricatura de Partido Político. São dezenas, mudam suas siglas, mudam seus ocupantes. Não é possível existir quarenta visões desiguais sobre o que deva ser o governo e suas prioridades. Os partidos só servem para atender ao insaciável desejo de poder que acomete os que se arriscam a jogar suas biografias nos renhidos pleitos. Sugam o Erário com seus Fundos Partidário e Eleitoral, descuidando-se da obrigação de propiciar educação política. Todos eles têm os seus Institutos destinados a essa formação. Não vejo oferta de treinamento para resgatar a idoneidade e o prestígio da política. O que fazem com essa verba?


O excesso de má política, a proliferação de maus exemplos, a reiteração de escândalos e o desalento geral de uma população submetida a uma das mais elevadas cargas tributárias do planeta evidenciam quadro nostálgico. Se é inadmissível a corrupção escancarada, de quem subtrai do Erário, a caixa comum para satisfazer as necessidades do convívio, não é de se aceitar a corrupção mascarada, implícita na conduta de quem se acomoda e não se empenha em mudar os maus costumes na vida partidária.


Descontaminar a política, expungir dela os maus elementos, provar à juventude que não há outra fórmula de regeneração da vida nacional, é o dever dos homens de bem. Eles ainda existem. Ajudemo-los nessa missão que pode parecer praticamente impossível.


*José Renato Nalini é reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e conselheiro do Inac


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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