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Corrupção e cidadania no Brasil: o que esperar da era digital?

MARIA FERNANDA DIAS MERGULHÃO 26 JULHO 2023 | 4min de leitura


A redemocratização foi formalmente instituída no Brasil com promulgação da Constituição da República, em outubro de 1988, momento em que fora inaugurada uma nova era contrária às censuras alicerçadas em ideologia de poucos e contrária às abomináveis perseguições políticas que culminavam com mortes, temor e traumas de uma sociedade, que ainda não assimilava ser protagonista do sistema político.


Os processos culturais não são rápidos quanto às mudanças normativas e os juristas precisam compreender que são processos diferentes, mas inegavelmente o ápice da norma é mudar a ordem social porque nela a cultura repousa, e consequentemente os fins maiores são atingidos.


E a corrupção, qual espaço ela ocupa na dicotomia: norma e cultura? Acredita-se que grande parte dos brasileiros que viveram em período anterior à redemocratização não terá dúvidas em afirmar que a corrupção brasileira também era expressiva naquele período turbulento diante da ausência, quase completa, de transparência e controle das contas e projetos políticos. A verticalização impedia questionamentos diante do temor de tudo e de todos que ousassem discordar do sistema imposto.


Analisar o passado faz-nos lançar luzes ao presente para alinharmos o futuro- em tudo na vida, e não seria diferente na história política de nosso país em passado não tão distante.


O que mudou de lá para cá: tudo! Hoje os instrumentos de transparência e controle são infinitamente maiores, não ronda o temor de perseguições comparado com os de outrora e, ainda mais, temos comunicação gratuita para qualquer país do mundo em tempo real para a grande maioria dos brasileiros, sem olvidar para a inteligência artificial que sorrateiramente vem ganhando espaço nos trabalhos e lares do Brasil.


Temos tanto, temos nada... Problemas próprios daquele período histórico ciclicamente ocorrem, mudando Estado, bairro, nomes, idades, mas a origem é a mesma: a nefasta corrupção que retira dos cofres públicos o numerário suficiente para à realização de políticas públicas essenciais.


Nesse ponto, citemos os últimos desabamentos de prédios urbanos em Recife, matando e aleijando diversas pessoas. Curiosamente até se nominaram referidos prédios como "prédios-caixão" porque contavam como única estrutura de apoio as próprias paredes em desalinho com o sistema internacional de construção civil que, curiosamente até os admite se cumpridas rígidas normas técnicas, absolutamente distante do caso pernambucano.


Apesar de não existirem provas sobre corrupção nesse caso, causa perplexidade a municipalidade ser instada judicialmente para inspecionar riscos de desabamento nos aludidos prédios cerca de 20 anos atrás e, por conta e risco, abandonar o projeto de mapeamento de riscos, que contava com a participação de Instituto técnico especializado.


Anos se passaram nessa irresponsável assunção de risco governamental, privilegiando-se a sorte e deixando o povo à deriva de um factível azar, assistimos pasmados e inertes mais um desabamento com mortes, ferimentos graves e aleijões de diversas pessoas, tristeza e desespero, perda de bens materiais dos que eram despossuídos porque estamos nos referindo, a toda evidência, de moradias populares.


Continuamos assistindo incólumes apesar do farto aparato digital de controle num mundo que se autointitula digital? Ou ainda vivemos tempos de nostalgia do período antidemocrático em que o silêncio do cidadão, preferencialmente, era a regra porque não "incomodava"? O que o brasileiro verdadeiramente idealiza, sente e deseja?


Temos instrumentos de cidadania eficazes de controle das políticas públicas; temos plebiscito e referendo como instrumentos tão eficazes, e necessários, quando ao exercício do direito ao voto, que permanece secreto, universal, periódico, e obrigatório em terras brasileiras. Ninguém do povo é consultado, por nada e para nada, e não raro seja possível a absoluta inexistência de referendo ou plebiscito em quase todos os Estados da Federação, em contradição a diversas políticas públicas em que os supostamente consultados são diretamente atingidos...


As sessões legislativas devem ser públicas, mas nem 0,1 % da população brasileira participa das discussões em que diretamente envolvidas são as pessoas ausentes que, na grande maioria dos casos, sequer restaram convidadas por qualquer meio de comunicação! Não há ter interesse bilateralmente nessa conjugação de esforços e causa estranheza esse comportamento reiterado ser colhido em período de suposta cristalização da redemocratização. Afinal temos 35 anos de Constituição da República de 1988! O principal sujeito, o cidadão, está de fora da conversa e não pode mais ser chamado para ela apenas no dia do voto. Pensemos nisso...


*Maria Fernanda Dias Mergulhão é promotora de Justiça no RJ, doutora e mestre em Direito, mestre em Sociologia e professora universitária


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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