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Desenvolvimento sustentável, corrupção e miséria

WALLACE PAIVA MARTINS JUNIOR* 26 SETEMBRO 2023 | 5min de leitura


É frequente ouvir que a luta contra a corrupção é pauta da direita enquanto o combate à miséria é bandeira da esquerda. Essa premissa binária é desprovida de qualquer fundamento teórico, rendendo-se amiúde ao oportunismo. Ainda que reine controvérsia, os conceitos de direita e esquerda nas sociedades democráticas capitalistas não são anacrônicos. Embora preponderem em torno deles doses cargas de flexibilidade e indeterminação, é sabido que na evolução política desde o século 19 a tônica do pensamento de direita é a liberdade ao passo que o centro de preocupação da esquerda é a igualdade.


No entanto, a dinâmica e a prática das posições político-partidárias nem sempre obedece fielmente a essa distinção, pois, não raro, governos mais alinhados à esquerda adotem, em alguma medida, posturas filosoficamente mais afinadas à direita, e vice-versa, conquanto sem a característica da essencialidade nas diretrizes governamentais. Tampouco é raro sublinhar que o antagonismo político se reduza, em muitos momentos, a uma compreensão própria e radical da lógica dos esquemas de poder que se enfileiram em posições alternáveis situação e oposição, que bem podem se exprimir no conflito entre “nós” e “eles” e vice-versa.


Concebido o Governo como a estrutura vocacionada à satisfação do bem-estar geral e comum da população, embora possa haver ocasionalmente predileção por setores sociais e econômicos determinados, não é ontologicamente admissível que, nas democracias consolidadas ou construídas, essa estrutura política representativa que enceta a soberania seja dotada de arbitrariedade para escolher qual parte da Constituição que a vincula dará exequibilidade.


Não é a Constituição que se ajusta ao Governo, senão este se subordina aos comandos daquela, independentemente da cor partidária que transitoriamente o exerça. O Governo tem que cumprir a Constituição por inteiro, não obstante as políticas públicas que projete e execute possam priorizar, conforme o possível e o momento, estas ou aquelas diretrizes constitucionais, sem, no entanto, abdicar de qualquer outra. E justamente por não ser uma tirania é que a essa capacidade de gestão confiada ao Poder Executivo se articula a existência de controle a partir de sistemas e mecanismos úteis e eficientes.


Numa democracia não há espaço para renunciar ou dispor tanto da luta contra a corrupção quanto do combate à desigualdade. Ambos são valores constitucionalmente sublimados e assegurados em normas da própria Constituição de 1988. Ela é clara a respeito: arrolando entre seus fundamentos a dignidade da pessoa humana timbra como um dos objetivos fundamentais a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais indicando entre os direitos sociais fundamentais a assistência aos desamparados, ao mesmo tempo em que, derivando do princípio republicano, cataloga o direito subjetivo público a um governo honesto ao louvar a moralidade administrativa como princípio central da atividade estatal, e propugna a punição dos atos de improbidade administrativa com a cominação, entre outras, de perda da função pública, inelegibilidade e suspensão dos direitos políticos, sem prejuízo da ação popular e da ação penal pública.


Em realidade, a honestidade nos negócios públicos e a erradicação da pobreza e da miséria são ambos elementos integrantes da própria concepção de dignidade da pessoa humana: em sua plenitude o ser humano se desenvolve pelo acesso e gozo aos direitos, inclusive políticos e econômicos; da mesma maneira que tem o direito de não ser social ou economicamente vulnerável é titular do direito da probidade dos agentes do poder em seu nome exercido.


Daí porque não é substancialmente possível setorizar o incremento de políticas públicas contra a improbidade ou a miséria como pautas desta ou daquela cor partidária, posto que ambas são estratégias de Estado que sobrepairam sobre greis destras ou sinistras. Corolário da noção de políticas estatais que o enfrentamento da improbidade e da desigualdade social e econômica ostenta é a incompossibilidade de atingir uma em detrimento da outra. Em outras palavras, não é legítimo que a erradicação das vulnerabilidades socioeconômicas se alcance com o desprezo a regras elementares à ética pública, como tampouco é aceitável que o combate ao mau uso do dinheiro público se exerça aprofundando a miséria e a exclusão.


Não por coincidência a Agenda 2030, que se predispõe ao combate à pobreza e à fome, arrola entre os objetivos do desenvolvimento sustentável “reduzir substancialmente a corrupção e o suborno em todas as suas formas” (16.5) sob a consideração de que o desenvolvimento sustentável empenha “um efetivo Estado de Direito e boa governança em todos os níveis e em instituições transparentes, eficazes e responsáveis”, pois, desigualdade, corrupção, má governança, são fatores da violência, da insegurança e da injustiça. Ora, nações que ocupam as melhores posições nos rankings de transparência e que têm as menores taxas de improbidade são justamente aquelas que possuem elevados índices de desenvolvimento humano e indicadores socioeconômicos portadores de maiores graus de justa distribuição de renda e de progresso científico e educacional. Quanto maior o nível de eficiência no combate à corrupção de igual ou maior medida será o de luta contra a miséria.


*Wallace Paiva Martins Junior, subprocurador-geral de Justiça (MPSP), doutor em Direito Administrativo (USP) e professor de Direito Administrativo (graduação) e Direito Ambiental (pós-graduação stricto sensu) na Universidade Católica de Santos (UNISANTOS)


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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