Do paradigma da ordem econômica ao paradigma dos direitos humanos no combate à corrupção
- Instituto Não Aceito Corrupção
- 5 de mai.
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Ao compreender a corrupção (inclusive sistêmica) como uma violação de direitos humanos permite-se, por exemplo, que os órgãos internacionais de monitoramento de direitos humanos atentem para o tema, desencadeando, em sendo o caso, a responsabilidade de um Estado corrupto no âmbito do Direito Internacional
Por Rafael de Oliveira Costa
05/05/2025 | 15h00
Os Estados que ostentam os maiores índices de corrupção tendem a ser também aqueles com um histórico de baixa efetividade na tutela dos direitos humanos. A título de exemplo, no Índice de Percepção da Corrupção de 2023 da Transparência Internacional os três últimos colocados eram Somália, Venezuela e Síria.
Assim, o nível de corrupção e as violações de direitos humanos em um país estão diretamente relacionados, pois ostentam raízes comuns, arraigadas principalmente nas fragilidades institucionais.
A corrupção opõe-se ao Estado de Direito e, consequentemente, mina a efetividade dos direitos humanos, não apenas pelo desvio de recursos públicos - reduzindo a disponibilidade e qualidade de serviços essenciais para a efetividade dos direitos humanos -, mas também pela corrosão da confiança na Administração Pública, no Poder Judiciário e nos processos eleitorais. Embora parcela da doutrina sustente a existência de um direito humano a uma sociedade livre de corrupção (Kofele-Kale, Ndiva. The Right to a Corruption-Free Society as an Individual and Collective Human Right: Elevating Official Corruption to a Crime under International Law. International Lawyer, n. 34, 2000, p. 149 e seguintes), a efetividade desse direito ainda está longe de ser atingida e exige uma mudança de paradigma na forma como vislumbramos o combate à corrupção.
Historicamente, as medidas anticorrupção previstas na órbita internacional tinham como principal objetivo salvaguardar o funcionamento da economia e promover o desenvolvimento dos países.
Recentemente, contudo, tem-se reformulado o combate à corrupção, inserindo-o no contexto da efetividade dos direitos humanos. Assim, para além do desenvolvimento dos países, busca-se garantir o bem-estar de pessoas que sofreram com violações de direitos humanos decorrentes de práticas corruptas, dando especial ênfase às vítimas.
A nova abordagem não implica em uma mudança de perspectiva do viés econômico para o social. Trata-se, de forma muito mais ampla, de ruptura com a percepção histórica de que a corrupção consiste em “um crime sem vítimas”, ou seja, “se ninguém é dono do que é público, não vale a pena se envolver”. O paradigma da ordem econômica colocava a corrupção como uma ofensa contra a sociedade, de modo que as vítimas de atos corruptos ficavam invisíveis, alijadas e sem voz no debate.
No novo paradigma dos direitos humanos, a corrupção é reconhecida não apenas como uma ofensa contra a ordem pública, mas como uma violação à dignidade da pessoa humana, ostentando, simultaneamente, dimensão coletiva e individual. A mudança permite às vítimas de atos de corrupção lutarem por seus direitos, conferindo-lhes “voz e rosto”, inclusive na órbita do Direito Internacional.
Nesse contexto, os mecanismos de tutela de direitos humanos são “mais robustos” do que os mecanismos anticorrupção existentes na ordem jurídica internacional, de modo que a aproximação da luta contra a corrupção da tutela dos direitos humanos pode trazer ganhos significativos para ambas as abordagens.
Ao compreender a corrupção (inclusive sistêmica) como uma violação de direitos humanos permite-se, por exemplo, que os órgãos internacionais de monitoramento de direitos humanos atentem para o tema, desencadeando, em sendo o caso, a responsabilidade de um Estado corrupto no âmbito do Direito Internacional.
Do mesmo modo, o Poder Judiciário brasileiro, por meio da aplicação de diplomas normativos de direitos humanos, pode instigar a atuação do Poder Legislativo e do Poder Executivo na adoção de medidas de combate à corrupção, seja através de demandas coletivas (ação popular, ação civil pública, dentre outras), seja por meio de demandas que visem combater as omissões estatais (v.g., ação direta de inconstitucionalidade por omissão ou mandado de injunção).
Assim, se a corrupção está diretamente relacionada com a efetividade dos direitos humanos, é preciso atentar para as vítimas de atos corruptos, permitindo-lhes lutarem por seus direitos, dando-lhes “voz e rosto”, inclusive na órbita do Direito Internacional.
Concluindo, a busca pela efetividade dos direitos humanos e a luta contra a corrupção ganham força com o diálogo, a cooperação e a aproximação das duas abordagens, o que pode ocorrer pelo intercâmbio de informações, compartilhamento das medidas adotadas e o desenvolvimento de planos conjuntos de ação. A integração implica em benefício para as duas perspectivas: os esforços anticorrupção auxiliam na efetividade dos direitos humanos, enquanto os direitos humanos facilitam a luta contra a corrupção.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica








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