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Em um governo de seres humanos, precisamos de boas instituições

Por Manoel Galdino*

21/12/2022 | 05h00


O presidente eleito Lula viajou para a COP27, no Egito, em um jatinho particular do empresário José Seripieri Junior, fundador da Qualicorp, que foi alvo da Operação Lava Jato. Isso ensejou muitas críticas na imprensa e nas redes sociais. E a ênfase, quase sempre com tom moralista, foi na conduta de Lula, que deveria ter sido mais estrita. Ao que tudo indica, continuaremos a repetir os erros que nos levaram ao desmonte do aparato anti-corrupção, enfatizando a ética pessoal em detrimento dos problemas institucionais que geram situações como essa.


Lula foi convidado na condição de presidente eleito do Brasil e, portanto, estava ali representando o país. Isso significa que, a despeito de ainda não ter cargo público, já deve obviamente seguir regras diferenciadas sobre o que pode ou não fazer. É tapar o sol com a peneira negar o óbvio conflito de interesses, que deveria ser evitado. Mas esse mesmo argumento mostra os limites das críticas feitas, segundo as quais deveria ter custeado o custo da viagem do próprio bolso ou por meio do Partido dos Trabalhadores. Se está representando o Brasil, e não a si mesmo ou a seu partido, não deveria caber a ele, nem a seu partido, custearem a viagem.


Ora, os custos deveriam ter saído dos cofres públicos, sob as regras usuais de gasto público para autoridades representando o país. Entretanto, a Lei 10.609, de 2002, que dispõe sobre as regras de transição, não disciplina como devem ocorrer as atividades do presidente eleito no exterior, representando o país. Essa é a lacuna legal que o país deveria enfrentar para evitar novos problemas no futuro.


Essa situação não é nova para o Brasil nem para Lula, mas nada fizemos institucionalmente em relação a isso. No longínquo ano de 2002, Lula foi se encontrar com o então presidente americano, George W. Bush, em dezembro daquele ano, na condição de presidente eleito. Era um encontro importante para acalmar os mercados e obter apoio dos EUA para o novo governo, visto com desconfiança em um momento de bastante turbulência (a Argentina havia declarado moratória, e Hugo Chávez havia sofrido um golpe de estado fracassado no mesmo ano). Era uma época de lua de mel da imprensa com Lula, e não ocorreu a ninguém se perguntar quem financiou a viagem e a estadia de Lula nos EUA. Mas a necessidade já estava presente e, no mundo atual, é fundamental regular quem paga as despesas do candidato eleito antes da posse, em compromissos internacionais representando o país.


Assim, é uma pena que as discussões tenham girado apenas em torno do que Lula e o PT deveriam ter feito, e não do que faltou no aparato institucional brasileiro para que a situação nem sequer fosse colocada. Se houvesse disposição legal vedando o pagamento por particulares de compromissos internacionais para o presidente eleito e equipe, e disponibilizando recursos públicos para essas despesas, inclusive com um cartão corporativo provisório para despesas do presidente eleito, não precisaríamos discutir se Lula acertou ou errou, se deveria ter feito assim ou assado.


Ainda acreditamos que a boa governança pública deve vir de pessoas com altos níveis de integridade. Este é um erro que já há muito tempo deveríamos ter parado de cometer. Como bem apontou James Madison, um dos pais fundadores americanos, em o Federalista 51, "se homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário. (...) A grande dificuldade [em um governo feito por pessoas, em vez de anjos] reside nisso: primeiro você permite ao governo controlar o governado; e em seguida obrigue-o a controlar a si mesmo". Que o Brasil aproveite essas e outras oportunidades para aperfeiçoar o governo feito por homens e mulheres reais, com limitações, de forma que a boa governança possa emergir, sem que precisem ser anjos.


*Manoel Galdino, professor de Ciência Política na Universidade de São Paulo


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac)


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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