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Improbidade e mercado

Por Wallace Paiva Martins Junior*

07/06/2023 | 05h00


A Lei n. 8.429/92, conhecida como Lei de Improbidade Administrativa, foi alterada pela Lei n. 14.230 em 2021. Essas modificações podem, grosso modo, ser classificadas como positivas ou negativas, tendo por referenciais sua compatibilidade com o mandamento constitucional de combate à improbidade e os demais marcos essenciais correlatos do ordenamento jurídico, sejam eles gerais (por exemplo, os princípios de razoabilidade e proporcionalidade) ou especiais (a dimensão do alcance da atuação dos órgãos de controle, por exemplo). Também é indispensável o exame de sua afinidade com os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil e internalizados pelos veículos normativos competentes no direito nacional.


No ponto, destaco que organismos internacionais fomentaram a emersão de normativa rígida contra os atos de abuso de função, corrupção e improbidade porque eles atingem o mercado e setor privado, desvirtuando-se da necessária preservação da competitividade entre as empresas que atuam nos negócios públicos.


A reforma da Lei de Improbidade Administrativa nesse tópico foi positiva. O Pacote Anticrime já havia afastado o óbice à consensualidade na repressão de atos de improbidade administrativa ao admitir a solução negociada do acordo de não persecução civil. A Lei n. 14/230/21 foi além ao prever que esse instrumento poderá contemplar a adoção de mecanismos e procedimentos internos de integridade, de auditoria e de incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, se for o caso, bem como de outras medidas em favor do interesse público e de boas práticas administrativas, consoante o § 6º de seu artigo 17.


Há, portanto, a possibilidade de o acordo conter cláusulas heterogêneas ou atípicas, como os inerentes ao compliance para que pessoas jurídicas envolvidas em atos de improbidade possam se reestruturar organicamente com recursos de governança que sirvam como instrumentos de detecção, prevenção e rejeição a prática desses ilícitos, de maneira a evitar o patrimonialismo e manter a integridade nas relações com o setor público e seus agentes. Nelas se compreende a assunção de medidas que assegurem a salutar concorrência, apanágio do princípio de liberdade econômica que é um dos baldrames do ordenamento jurídico-constitucional brasileiro, pois, a obtenção de inside information, a outorga de benefícios ou situações jurídicas (por exemplo, contratação sem licitação contrariando as hipóteses legais de sua dispensa ou inexigibilidade), a destinação de propina a agentes públicos etc. comprometem a competição entre os atores do setor privado tendentes ao estabelecimento de negócios públicos com intenso e imenso fluxo financeiro porque são - esses e outros expedientes escusos - mecanismos de apropriação de vantagens públicas e de desigualdade entre os competidores.


Nesse sentido, decisão do Superior Tribunal de Justiça ressalta que "além dos pressupostos que devem ser preenchidos para a celebração do acordo - estando dentre eles as obrigações atinentes à reparação ao erário e aplicação de uma ou mais sanções previstas na Lei de Improbidade Administrativa -, é possível que sejam pactuadas outras obrigações" (STJ, REsp 1.921.272/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Falcão, 03-08-2021, DJe 17-11-2021).


Essa medida, aliás, converge para a diretriz de resolução consensual de conflitos, adotada no direito nacional no preâmbulo da Constituição de 1988 quando enuncia o compromisso da nação, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias. Convém, aliás, ressaltar que antes dessa reforma da Lei de Improbidade Administrativa, em 01 de agosto de 2013 veio à lume a Lei n. 12.846 - conhecida como Lei Anticorrupção Empresarial e que dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira - prevendo o acordo de leniência, pelo qual a pessoa jurídica responsável colabora efetivamente com a investigação e o processo. Na redação dada pela Medida Provisória n. 703, de 2015, essa lei foi aprimorada enumerando como um dos requisitos (cumulativos) para a celebração do acordo de leniência o compromisso de a pessoa jurídica implementar ou melhorar os mecanismos internos de integridade, auditoria, incentivo às denúncias de irregularidades e à aplicação efetiva de código de ética e de conduta (artigo 16, inciso IV). Entretanto, a medida provisória caducou. De qualquer maneira, um dos parâmetros para aplicação das sanções previstas nessa lei é a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica, como consta do inciso VIII de seu artigo 7º.


Enfim, trata-se de um instrumento que, para além de seu escopo direto e imediato de responsabilização, contribui para a implantação concreta da ética nas relações entre os setores público e privado e a efetiva realização dos vetores que orbitam em torno da liberdade econômica - em especial, a competitividade entre as empresas -, dogma absolutamente fundamental nas modernas e pujantes sociedades capitalistas.


*Wallace Paiva Martins Junior, procurador de Justiça (MPSP), professor de Direito Administrativo (UNISANTOS) e doutor em Direito do Estado (USP)


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

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