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Microgestão de compliance

ROBERTO NEVES PEDROSA DI CILLO* 06 DEZEMBRO 2023 | 5min de leitura

 

Microgestão pode ter uma conotação de negação de empoderamento de níveis hierárquicos menos maduros, mas não será com tal conotação que este texto tratará.

 

O que é pequeno demais tende a passar despercebido. É assim que muitos esquemas são desenvolvidos para não permitir detecção por controles, ainda que automatizados.

 

Vários sistemas conseguem detectar repetições de transações suspeitas, como, por exemplo, pagamentos de valores repetidos e sob determinadas categorias. Passa uma gota, passa outra, o sistema captura e reporta a quem deve ser alertado.

 

Mas há situações que, a despeito de calibragem e recalibragem frequentes, algo errado pode passar despercebido. Aí, quando se vai ver, as gotas combinadas podem encher um oceano.

 

Tome-se o exemplo de pequenas contratações de fornecedores para os quais sejam criados editais ou que tais sob medida, para um amigo ou uma amiga de quem está na comissão de contratação ou na fiscalização do contrato.

 

Do lado da contratante, se não houver um monitoramento constante, toda a possível evolução de um sistema de governança e integridade pode sofrer um pequeno abalo, e é de pequenos abalos que grandes estruturas podem ruir.

 

Todo o cuidado é sempre necessário e o primeiro passo pode ser a criação e manutenção de um canal de denúncias confiável e que possa quebrar pactos de silêncio.

 

Pactos assim continuam a existir, lamentavelmente, no Brasil e em vários países porque há tolerância para pequenos desvios, assim como ignorância dos efeitos de longo prazo de práticas corruptas, ainda que dentro do setor privado.

 

A proteção de quem acredite num canal de denúncias de irregularidades precisa ser maior do que os riscos de perder contratos por parte de quem entra, sabendo ou não, numa contratação pela via de edital de outra forma, quase que como um laranja, de pessoa a quem foi dirigida a contratação.

 

Claro que as consequências precisam ser diferentes para quem fazia parte do esquema e quem não sabia, passando pela situação de quem deveria saber, mas o mais importante é induzir, sem intimidar.

 

Garantias, ainda que escritas, previstas em lei, decreto, instrução, portaria ou norma interna não parecem induzir o suficiente para proteger denunciantes e um sistema de recompensas é essencial.

 

Nesse contexto, há um novo projeto de lei em trâmite na Câmara dos Deputados, o PL 1422/2023, que se propõe a alterar uma insuficiente lei de 2018, alterada em 2019, versando sobre recompensas a quem denuncie irregularidades “para a prevenção, a repressão ou a apuração de crimes ou ilícitos administrativos”.

 

Lei 13.608 prevê que “Entre as recompensas” poderia “ser instituído o pagamento de valores em espécie”, e a Lei 13.964 condiciona o pagamento de até “5% (cinco por cento)” ao “valor recuperado”.

 

Os 5% parecem ter sido inspirados numa prática em constante evolução nos Estados Unidos para companhias abertas, onde o mercado de capitais tem um papel muito maior na poupança privada e pública.

 

Lá, o pagamento dessas recompensas fica na faixa de 10 a 30% da sanção aplicável e é feito a partir de um fundo criado por lei e abastecido por multas pagas. Há outras condições para o pagamento dessas recompensas, inclusive a de que a multa aplicável à infratora seja superior a 1 milhão de dólares.

 

Aqui, nada recuperado, nada a ser pago a quem se exponha. E as demais garantias previstas em 2019, inclusive o ressarcimento “em dobro por eventuais danos materiais causados por ações ou omissões praticadas em retaliação, sem prejuízo de danos morais” dependeriam de ação judicial. Ou seja, não é algo necessariamente palpável.

 

Qualquer que seja o motivo, o PL 1422/2023 é tímido demais para incentivar e recompensar quem se expuser por denunciar irregularidades inclusive no contexto aqui proposto.

 

Limitar proteções a quem não participou de ilícitos atende a característica cultural de não premiar quem se envolveu em irregularidades, deixando de atentar para o principal: desfazer os esquemas.

 

Pouca gente terá mais acesso a informações sensíveis além daquelas que justamente participaram de esquemas.

 

Transferir de local de trabalho, como propõe o texto original do projeto de lei, é complexo demais para quem tiver família e ela depender do sustento de mais de uma pessoa no núcleo. Vai haver aumento de salário? Benefícios? Direitos previstos na legislação trabalhista podem e devem ser insuficientes.

 

Além disso, o ônus de uma mudança seria arcado por quem talvez não tenha condições financeiras de cobri-lo ou mantê-lo, daí que o ou a denunciante podem ficar desassistidos.

 

E a obrigação de a empresa contratante informar e aconselhar denunciantes sobre seus direitos e vias processuais para suas garantias não deve mover muita gente, tampouco o custeio de assistência jurídica ou tratamento psicológico.

 

O PL propõe garantir a denunciantes que possam aderir a programas especiais de proteção a vítimas e testemunhas por até o período de 2 (dois) anos após a conclusão do tratamento da denúncia, curto e insuficiente demais.

 

Por fim, o PL, como proposto, seria aplicável à “Administração Pública Federal direta ou indireta e de pessoas jurídicas privadas”. Quer dizer, pequenas e médias empresas também? Como?

 

Ao PL 1422/2023 foram apensados outros dois projetos de lei, ambos da Câmara dos Deputados, um para o setor privado somente, sem menção a recompensas.

 

O outro projeto de lei apensado ao PL 1422/2023 previa que qualquer empregador deveria pagar 6 (seis) meses de salários (com encargos) para empregados denunciantes, reformando-se a lei de 1999 sobre proteção a vítimas e testemunhas. E se a empresa quebrar?

 

Nenhum dos três projetos parece funcionar para melhorar o sistema de indução de denúncias, por exemplo de direcionamento de contratações principalmente por sociedades de economia mista e estatais.

 

Enquanto tabus não forem quebrados, inclusive o de que é errado recompensar quem pode ajudar, expondo-se e expondo-se aos seus ou suas, fica difícil pensar em progresso na microgestão aqui proposta.

 

*Roberto Neves Pedrosa Di Cillo é advogado, graduado pela Universidade de São Paulo, LLM pela University of Notre Dame, professor de pós-graduação, palestrante, autor de diversos artigos sobre temas de governança, vice-presidente das Comissões de Governança e Integridade e de Liberdade de Imprensa da OAB-SP

 

Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção. Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica

 

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