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Mudanças na Lei do Impeachment: avanços ou retrocessos?

Por Katia Braga de Magalhães*

20/01/2023 | 05h00


No Brasil, onde todos os presidentes da Nova República foram alvo de pedidos de impeachment, tendo sido dois deles


defenestrados em processos dessa natureza, é compreensível o interesse na revisão das normas contempladas na Lei 1079/50, que parecem roupa surrada para o cenário atual. Contudo, o anteprojeto apresentado ao Senado pode trazer um figurino ainda mais impróprio, embora repaginado.


O primeiro aspecto reside na multiplicação das figuras sujeitas ao impeachment, que abrangeriam os comandantes das forças armadas, integrantes do CNJ e do CNMP, o AGU, os Ministros dos Tribunais de Contas, do STJ, chefes de missões diplomáticas, e membros da magistratura e do Ministério Público. A tentativa de facilitar a responsabilização desses agentes públicos é louvável. Porém, sendo o impeachment pertinente aos universos do direito e da política, a perspectiva de submissão de condutas de funcionários também a um juízo político poderia levá-los à tomada de decisões menos técnicas e mais convenientes a um ou outro arranjo de poder, o que seria desastroso em termos de eficiência sistêmica.


Outra novidade consiste nas pessoas legitimadas à propositura do impeachment, que, do universo da população brasileira, seriam drasticamente restritas aos partidos, à OAB, a órgãos de classe ou sindicais, e ao nicho de um porcento do eleitorado. Como de hábito, o cidadão perderia voz, que continuaria sendo um atributo quase exclusivo de entidades estatais e paraestatais.


Quanto aos crimes de responsabilidade, o novo rol foi contaminado pela obstinação de nossas autoridades em conter a disseminação de "fatos sabidamente inverídicos, com o fim de deslegitimar as instituições democráticas" (Art. 7, V), conceito que, de tão vago, pode abarcar desde relatos de fatos ouvidos de terceiros até as mais variadas manifestações. Igualmente indefinido é o suposto propósito de retirar legitimidade das instituições, conduta, aliás, perfeitamente inserida no âmbito do direito à crítica, que, no entanto, o anteprojeto recusa aos agentes públicos, sob pena de afastamento destes por impeachment.


Na mesma toada de cerceamento à liberdade de expressão, o anteprojeto introduz vários dispositivos, dentre os quais os que responsabilizam comandantes militares pela manifestação sobre assuntos político-partidários (Art. 13, III), e magistrados e membros do MP (Art. 14, II, e Art. 17, II) pela divulgação de opiniões políticas. Na contramão da Constituição, que assegura a livre manifestação opinativa, o texto restringe a fala dos funcionários por ele abrangidos.


Curiosa ainda é a inserção do crime de "deixar de adotar as medidas necessárias para proteger a vida e a saúde da população em situações de calamidade pública" (Art. 8, I), mais uma norma repleta de indefinições, que suscita os questionamentos sobre as medidas das quais estaria tratando, e sobre quem determinaria a necessidade destas, e com base em quais critérios. Além dos crivos jurídico e político, o anteprojeto, nesse particular, ainda submete o agente a um inédito juízo sanitário.


Em relação ao orçamento, retira-se o crime de "ordenar ou autorizar a abertura de crédito em desacordo com os limites estabelecidos pelo Senado Federal, sem fundamento na lei orçamentária", que foi um dos pilares da remoção de uma mandatária. Como a gestão orçamentária ainda é tema aflitivo entre nós, teria sido recomendável manter a especificação dessa conduta, no lugar do genérico tipo de "descumprir deliberada ou reiteradamente a legislação orçamentária e de responsabilidade fiscal" (Art. 10, VII).


Um último tópico digno de nota consiste na inabilitação para o exercício de cargo público, consequência automática do impeachment à luz da Constituição, e por ela fixada em exatos 8 (oito) anos (Art. 52, parágrafo único). Contudo, no anteprojeto, a condenação daria ensejo a uma "nova consulta ao Plenário sobre a inabilitação para o exercício de cargo público, limitada ao prazo de 8 (oito) anos" (Art. 68). Ora, se a Carta Magna prevê a inabilitação como consectário necessário da condenação, não caberia a uma lei cogitar de consulta sobre o tema, e, muito menos, da referência ao prazo como mero teto, e não como período exato. Tal dispositivo, inconstitucional no berço, possibilitaria que figuras removidas por impeachment perdessem seus direitos políticos por período inferior aos 8 (oito) anos, ou até que os mantivessem, como já ocorrido.


Prioritária à revisão da lei do impeachment teria sido a realização de estudo para a introdução, em nosso sistema constitucional, do recall, ou "deseleição". Em um momento de tamanho descrédito das instituições, urge ampliar os mecanismos de participação popular, permitindo à sociedade deliberar, por si, quais os mandatários eficientes, e quais os corruptos, ou traidores de sua confiança. E não será por meio de uma legislação recheada de ambiguidades, casuísmos e até inconstitucionalidades que se alcançará fim tão nobre.


*Katia Braga de Magalhães, advogada e tradutora jurídica no Rio de Janeiro, RJ. Advogada graduada pela UFRJ (1997) e com MBA em Direito da Concorrência e do Consumidor pela FGV-RJ pela FGV/RJ (2001). Atuante nas áreas de propriedade intelectual e seguros. Coautora da Atualização do Tomo XVII do "Tratado de Direito Privado" de Pontes de Miranda, em comemoração pelos 100 Anos da Revista dos Tribunais. Criadora e realizadora do Canal Katia Magalhães Chá com Debate no YouTube. Colunista do Instituto Liberal (coluna Judiciário em Foco). Colunista do Boletim da Liberdade (coluna A Liberdade pela Cultura)


Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção


Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Os artigos têm publicação periódica


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