Célia Lima Negrão*
07 de outubro de 2022 | 05h00
A regulamentação do lobby é uma das medidas importantes de prevenção e combate à corrupção, extensivamente já debatida no Congresso Nacional e no Senado Federal, por meio de projetos de Lei, em diversos institutos e organizações, além de ser foco de discussões em órgãos de controle.
Todos estes debates e discussões possuem em comum o entendimento de que a corrupção precisa ser enfrentada e uma das ações fundamentais passa pela transparência e realização do controle necessário às influências dos diversos grupos de interesses que buscam nas decisões dos agentes políticos aprovar medidas que os beneficiem, diga-se, de forma legítima.
Sim, o lobby, também conhecido como a atividade de representação de interesses é fundamental em um país democrático. Trata-se de uma atividade que tem por objetivo influenciar processos decisórios governamentais, exercida de forma organizada, por indivíduos ou grupos de interesses, tais como sindicatos, grupos de empresários, pela sociedade organizada, entidades representativas, para que promovam suas agendas de melhorias em prol de suas necessidades, desde a elaboração de políticas públicas, projetos em discussão até as decisões governamentais.
O fato é que o tema é complexo e gera posições contrárias, pois ainda há o preconceito e o desconhecimento quanto a licitude da atividade. Esta desconfiança é causada por fatos históricos, já vividos e amplamente divulgados no país, em que alguns grupos tendem a corromper este processo que é legítimo, se conduzido de forma ética.
De forma exemplificativa, não precisamos ir muito longe no tempo e no espaço, pode-se citar o caso recente dos pastores e suas visitas à Presidência da República e Ministérios. Em tese, eles buscavam promover pautas de interesse, no entanto, como não há regras específicas para estes encontros, não há o controle e a transparência, abre-se o precedente da dúvida, da desconfiança, das especulações.
Quando há regulamentação é possível um maior controle, pois a prestação de contas para a sociedade é mais transparente e efetiva, o que enseja a redução de escândalos, com danos à reputação do Brasil, e da corrupção generalizada.
Nesse sentido, o lobby está regulamentado em diversos países que, no geral, buscam “dar um banho” de legalidade e legitimidade ao lobby para que seja representativo e possa contribuir para a discussão democrática, na tomada de decisões das instituições públicas e seguem adotando modelos na esteira dos estudos difundidos pela OCDE (Organização Para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) que estabeleceu que a atividade de lobby precisa ser regulamentada sob três bases: da transparência, da ética e do acesso.
No Brasil, há o Projeto de Lei n.4391/2021 que apresenta ações baseadas nas orientações da OCDE e aponta caminhos para prevenir e combater práticas ilícitas no desenvolvimento da atividade de lobby, a exemplo do tráfico de influência.
Este projeto inclui também aspectos relevantes de compliance e prevê, inclusive, punições para as infrações cometidas no desenvolvimento da atividade de lobby pelas instituições e seus representantes de interesses e, como atenuante, por exemplo, a comprovação de que há implementação ou o aperfeiçoamento de programa de integridade na instituição.
Outros aspectos estendem os requerimentos e regras às empresas estatais, com a definição dos instrumentos de controle, transparência, além de inclusão nos Códigos de Conduta e Integridade, de que trata a lei das estatais a 13.303/2016, o estabelecimento de normas relativas à representação privada de interesses.
Há ainda a previsão de regras para audiências, recebimento de brindes, presentes e hospitalidades, transparência quanto aos temas tratados, criação, por cada Poder Público, de um banco de dados com informações sobre os representantes de interesses, dentre outros.
Pois bem, não obstante o projeto de lei que circula no Congresso, o Decreto nº 10.889/2021 disciplina a divulgação de agenda de compromissos cumpridos por agentes públicos federais e dispõe sobre a participação em audiências, o recebimento de brindes e presentes e a concessão de hospitalidades por agente privado.
Em um primeiro olhar, este Decreto não seria uma regulamentação direta da atividade do lobby, conforme os padrões disciplinados pela OCDE e pelas mais diversas discussões existentes, porém, há muito a ser considerado em seus artigos e disposições, apontando-se um caminho de regras que formalizam a atividade.
Tanto é verdade, que o Decreto aponta os conceitos, dentre eles, o de representação privada de interesses, o lobby, que é a interação entre agente privado e o agente público voltada a influenciar processo decisório da Administração Pública, conforme interesse privado próprio ou de terceiros, individual, coletivo ou difuso, no âmbito de: a) formulação, implementação e avaliação de estratégia de governo ou de política pública ou de atividades a elas correlatas; b) edição, alteração ou revogação de ato normativo; c) planejamento de licitações e contratos; e edição, alteração ou revogação de ato administrativo.
Caracteriza ainda que tal representação privada de interesses será realizada pelo representante de interesses – pessoa natural ou jurídica que se dedique, de maneira habitual ou circunstancial, profissional ou não, à representação privada de interesses próprios ou de terceiros, individuais, coletivos ou difusos, sob remuneração ou não, com ou sem vínculo trabalhista com o representado.
Apesar de o Decreto ter o foco na Administração Pública Direta, relevante mencionar que nas empresas públicas há uma carência de controle quanto a atuação de interesses privados e uma possível exposição a riscos à integridade, sendo fundamental que se amplie o controle também a estas instituições.
Com o referido Decreto, institui-se o e-Agendas, sistema usado para o registro e divulgação das informações das agendas de compromissos públicos dos agentes públicos federais e será de uso obrigatório, sendo que os registros deverão permanecer disponíveis para visualização e consulta, em transparência ativa e em formato aberto, pelo período mínimo de cinco anos.
A atividade de representação de interesses segue algumas regras, dentre elas:
– O representante de interesses que deseja ser atendido em audiências pelos agentes públicos precisa declarar que se submete aos normativos de ética e de conduta da empresa de que são empregados, sócios ou contratados, ou de associações que são filiados, antes da realização da audiência.
– Em audiências com os representantes de interesses, sempre que possível, o agente público deverá ser acompanhado de, pelo menos, outro agente público federal.
– Veda a todo agente público do Poder Executivo federal receber presente de quem tenha interesse em decisão sua ou de colegiado do qual participe, devendo recusar o presente ou entregá-lo ao setor responsável do órgão ou entidade.
– São permitidos brindes, itens de baixo valor econômico e distribuídos de forma generalizada, como cortesia, propaganda ou divulgação habitual.
– As hospitalidades são permitidas, tais como: entradas em eventos, congressos, estadias, almoços, desde que sejam autorizadas institucionalmente e observados os riscos à integridade, além de estarem relacionadas aos propósitos da representação do interesse realizado.
Em relação a esta última regra cabe um ponto de atenção: as hospitalidades recebidas não relacionadas ao exercício de representação institucional, são consideradas presentes, o que está vedado.
Sobre o registro e a publicação da agenda de compromissos públicos, há uma lista extensa a ser cumprida que vai desde a qualificação dos participantes, passando pelos objetivos da audiência, com a descrição dos interesses representados, das hospitalidades e presentes recebidos.
Todos estes registros são realizados em sistema próprio, denominado e-Agenda, e devem ser mantidos em transparência ativa pelo prazo de, no mínimo, cinco anos.
O e-Agenda, os registros e a publicação de compromissos públicos passam a valer a partir de 09 de outubro de 2022. As demais disposições do Decreto já estão valendo.
Assim, em tempos de sigilo de 100 anos, resta saber se um Decreto com apropriadas regras, há muito tempo debatidas e esperadas por todos que acreditam na prevenção e combate à corrupção, bem como pela sociedade brasileira e demais órgãos representativos que atuam em prol do lobby saudável e ético, em defesa de interesses legítimos, vai cumprir seu papel, haja vista o contido no artigo 14 que dispensa a divulgação das informações quando o sigilo for imprescindível à salvaguarda e à segurança da sociedade e do Estado e a tendência atual de imposição de sigilo em determinadas situações.
O certo é que a ampliação da transparência à atividade do lobby permite o conhecimento da intenção e de quais os beneficiários das diversas pautas que são influenciadas, diariamente, no país. Por meio dos dados disponibilizados pelo sistema e-Agenda será possível entender as decisões governamentais à luz dos interesses do povo brasileiro, o principal impactado por tais decisões. Isto revela-se um avanço considerável para a existência do controle social e da prevenção à corrupção no país.
*Célia Lima Negrão, escritora, produtora de conteúdo digital de compliance e riscos e empregada pública dos Correios. Especialista em Governança e Compliance, Estratégia, Lei de Proteção de Dados e Direito Trabalhista
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção
Esta série é uma parceria entre o blog e o Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Acesse aqui todos os artigos, que têm publicação periódica
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