O lugar da transparência no orçamento público: uma simples emenda?
- Instituto Não Aceito Corrupção
- 24 de fev.
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Com as mudanças que estão sendo adotadas, questiona-se: que lugar até então a transparência ocupava no orçamento da União? E que lugar passa a ocupar com essas decisões?
Por Murilo Borsio Bataglia
24/02/2025 | 12h50
Muito tem se falado nas Emendas Parlamentares e no Orçamento votado no Congresso Nacional, sobre a falta de transparência na indicação e recebimento de verbas federais para diversos entes federados e organizações civis. Diante disso, questiona-se: como pode a execução do orçamento público não ser transparente? O que tem sido feito para cumprir o princípio constitucional de publicidade da Administração Pública? Qual o lugar da transparência no orçamento? Este artigo se destina a refletir sobre esse debate que envolve o Poder Legislativo, o Executivo e, agora, o Judiciário.
Iniciando a análise pelo orçamento da União, todo ano o Governo Federal faz uma estimativa de receitas e de despesas que serão votados no Congresso Nacional para ser executado no ano seguinte. Isso é feito por meio de um projeto de lei, que, votado e aprovado, converge-se na Lei Orçamentária Anual (LOA).
Nesse processo legislativo de debate do orçamento, os parlamentares passaram a ter poder e direito de emendá-lo direcionando recursos financeiros para obras/serviços à sua escolha. Até o ano de 2015 os deputados e senadores faziam indicações que poderiam ou não ser seguidas pelo Executivo. No entanto, com a EC n. 86/2015 criou-se o chamado “orçamento impositivo”. Parte dos recursos previstos passaram para o comando dos parlamentares nas chamadas emendas individuais (cada um com direito a indicar para onde direcionar esse montante – código RP6). Em 2019, houve a EC n.100, criando outra imposição: emenda de bancada estadual (RP7), e na sequência, foram criadas as emendas de comissão (RP8) e a de relator (RP9). A EC n. 105/2019 por sua vez diferenciou as emendas individuais em “especiais” (sem necessidade de convênio prévio – “emendas pix”), e de “finalidade definida” (com convênio).
Desde então, iniciou-se uma disputa de poder sobre o orçamento: antes o Governo Federal decidia politicamente qual emenda indicada seria liberada; agora, o Congresso passou a ter domínio obrigatório sobre uma parte considerável da destinação das receitas. Desse jogo, percebeu-se que em se tratando de emendas pix notou-se a ausência e obrigatoriedade de indicação do destino, pelo parlamentar, tampouco de como foi gasto o dinheiro, pelo recebedor. Quanto às emendas de relator, criadas sob o pretexto de corrigir erros no preenchimento da peça orçamentária, na prática, passaram a ser destinadas pelos relatores de modo discricionário, sem regras para distribuição e sem dever de informar destino exato – beneficiando “os amigos do rei”, seus parlamentares mais próximos.
Denúncias de corrupção também passaram a acontecer, como no caso da Operação Overclean, da Polícia Federal (com suspeitas de superfaturamento de licitação a partir de verbas advindas de tais emendas parlamentares) e no caso de recursos para extração de dentes em cidade em que, pelos cálculos, cada habitante teria extraído 14 dentes.
Dessas constatações, a prática do orçamento secreto foi judicializada no STF (ADPFs 850, 851, 854 e 1014), decidindo-se pela sua inconstitucionalidade por ferir a transparência, eficiência e moralidade, sendo incompatível com a democracia. A ADPF 854, de relatoria do Ministro Dino, é a que gerou atrito entre os poderes por ter suspendido a execução de emendas impositivas e exigir mais transparência, prestação de contas e rastreabilidade das verbas.
Foi feita reunião entre os 3 Poderes para alinhar as medidas a serem tomadas. A CGU (Poder Executivo) enviou relatório sobre o caso ao STF, publicou página vinculada à ADPF 854 para acompanhar a aplicação dos recursos. O Congresso elaborou a LC 210/2024 com regramentos sobre emendas.
A ação ainda está se desdobrando, o STF monitorando com suspensões de pagamentos de emendas também para fundações e organizações civis que não cumprem requisitos de transparência, recebendo parecer técnico da CGU sobre o tema.
Percebe-se o sistema de freios e contrapesos em atuação, cada um dos Poderes da República defendendo seu espaço e fiscalizando o excesso do outro: Executivo propõe e adota o direcionamento de verba e fiscaliza os aportes do Legislativo; o Legislativo reuniu forças para direcionar parte do orçamento, desconcentrando essa função do Executivo; o Judiciário é chamado a intermediar para a mecânica continuar avançando.
Mas fica a pergunta: por quê a resistência em adotar a transparência, prestação de contas e rastreabilidade?
Superfaturamentos e desvios, favorecimentos pessoais, sigilo, e desperdício no direcionamento das emendas não combinam com a legalidade, impessoalidade, publicidade, moralidade, e eficiência previstos no art. 37 da CF.
Com as mudanças que estão sendo adotadas, questiona-se: que lugar até então a transparência ocupava no orçamento da União? E que lugar passa a ocupar com essas decisões?
Tratar o orçamento público com transparência é o mínimo.
Espera-se que a transparência não seja uma simples emenda inserida no orçamento para atenuar o impacto dos escândalos revelados, mas que seja sempre impositiva.
Este texto reflete única e exclusivamente a opinião do(a) autor(a) e não representa a visão do Instituto Não Aceito Corrupção (Inac). Esta série é uma parceria entre o Blog do Fausto Macedo e o Instituto Não Aceito Corrupção. Os artigos têm publicação periódica
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